Que espécie é esta: Uloborus plumipes

A leitora Tânia Sofia Oliveira fotografou esta aranha a 27 de Julho na sua varanda em Alcochete e quis saber a que espécie pertence. Sérgio Henriques responde.

 

“Tenho esta pequena amiga num vaso na minha varanda, em Alcochete”, contou Tânia Sofia Oliveira à Wilder.

 

 

“É pequena e não sei se as fotos estão com a melhor qualidade, além que ela está sempre de cabeça para baixo. Tem o torso que parece em pirâmide e umas quelíceras (não sei se são, as minhas aulas de biologia já levam muitos anos!) compridas que ela mantém esticadas para a frente quando está no meio da teia.”

 

 

“Acho que devo ter ali um berçário, pois apanhei-a a enrolar uma presa e a teia de aranha à volta está cheia de pontinhos laranjas. Espero que as fotos dêem para identificar e cá fico à espera de saber quem é a minha inquilina! :)”

 

 

Tratar-se-á de uma fêmea de Uloborus plumipes.

Espécie identificada por: Sérgio Henriques, líder do grupo de especialistas em aranhas e escorpiões da UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e especialista da Sociedade Zoológica de Londres.

Esta é uma aranha bem interessante, porque parece ser uma fêmea de Uloborus plumipes, uma das poucas aranhas que perdeu o uso das suas glândulas de veneno.

Todas as aranhas são descendentes de um grupo de animais que inoculava veneno pelas queliceras (boca) e produzia seda pelas fieiras (“rabo”). Mas ao longo da evolução do grupo algumas aranhas desenvolveram estratégias que deixaram de depender dessas características. As aranhas são bem mais antigas do que os dinossauros e todo esse tempo deu-lhes oportunidade de desenvolver estratégias que nós só agora começamos a desvendar.

Aranhas como o Uloborus que se vê na foto não paralisam as presas com veneno. Em vez disso, o que fazem é produzir uma teia horizontal de seda azul bem peganhenta que deixa escapar muito poucas presas. Esta seda não é peganhenta por ter cola, mas porque a aranha tem um pente nas patas e fisicamente penteia a teia quando a está a produzir. Assim cria um emaranhado de minusculos fios que se prendem como velcro às patas dos insectos. Literalmente como velcro. Esta tecnologia foi inventada pelas aranhas e copiada por nós. Se vir uma aranha não se esqueca de lhes agradecer.

Esta teia é tão eficaz que elimina a necessidade de paralisar as presas com veneno. Assim, o que aranha faz é aproximar-se da presa e simplesmente embrulha-la rapidamente com seda. E esta já não se pode mexer, muito semelhante à maneira com que as malas são enroladas em plástico em algums aeroportos. Outra invenção que temos de agradecer às aranhas.

Esta espécie passa o seu tempo na parte de baixo da sua teia, esticada e de barriga para cima, parecendo por isso um ramo que caiu na teia, ou apenas um fio de seda mais grosso. O seu casulo de ovos tem um aspecto similar.

Outras espécies desta familia (Uloboridae) também não produzem veneno e têm estratégias tão ou mais espetaculares. O Hyotiotes paradoxus, que é comum um pouco por todo o país, é uma aranha pequena e discreta, que é um predador tão eficaz que nem se dá ao trabalho de fazer uma teia inteira, mas constrói apenas uma fatia. A aranha fica de embuscada na ponta dessa fatia e puxa-a para si, criando tenção elástica e ficando a segurar assim a sua teia durante horas. Quando uma presa embate na teia a aranha larga-a e a presa fica embrulhada. É algo extraordinário de ver e que acontece todos os dias, por vezes literalmente no caminho para o trabalho.  “Blessed are they who see beautiful things in humble places where other people see nothing.” Camille Pissarro

Aqui fica um video desse comportamento.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Encontrou um animal ou planta que não sabe a que espécie pertence? Envie para o nosso email a fotografia, a data e o local. Trabalhamos com uma equipa de especialistas que o vão ajudar.

Explore a série “Que espécie é esta?” e descubra quais as espécies que já foram identificadas, com a ajuda dos especialistas.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.