Cinco pistas para encontrar orquídeas silvestres

A época de floração das orquídeas silvestres está quase no fim, mas com alguma persistência ainda se conseguem encontrar exemplares bem interessantes. A Wilder foi dar um passeio à caça destes tesouros.

 

  1. Faça o trabalho de casa

Quais são as características de uma orquídea? No Parque Florestal de Monsanto, numa manhã de meados de Abril, partimos no encalço de orquídeas silvestres guiados por Duarte Marques, 73 anos, fascinado há muito por estas plantas.

“As orquídeas distinguem-se pela forma: todas têm três sépalas e três pétalas. Uma das pétalas costuma sobressair, a que se chama labelo”, explica este investigador de engenharia agronómica, reformado do Instituto de Investigação Científica Tropical.

Foi há cerca de 40 anos que Duarte Marques ficou a saber que as orquídeas não são exclusivas dos trópicos, quando se deparou com uma curiosa flor branca na zona de Sintra. Desde então, passou a estar fascinado pelas “mais de 60 espécies” da família Orchidaceae que ocorrem em Portugal. Num alfarrabista, comprou um exemplar do livro “Flora de Portugal”, publicado pela primeira vez em 1913 e escrito pelo taxonomista António Xavier Pereira Coutinho. E desde então, nunca mais parou de aprender.

Mas hoje em dia, lembra, a informação é bem mais acessível e menos técnica para quem fique curioso e queira saber mais. Existem vários blogues e páginas de Facebook (lista mais abaixo). E a Associação de Orquídeas Silvestres – Portugal (AOSP) realiza regularmente passeios por todo o país, para fazer o levantamento destas curiosas plantas em território português.

 

Orchis italica
Orchis italica

 

  1. Siga os raios de sol, em terrenos descampados

As orquídeas são plantas esquivas. No Parque Florestal de Monsanto são raras, como pequenos tesouros. Tivemos de deixar os caminhos de terra batida, esquadrinhar pelo meio dos arbustos e das ervas altas, em busca de clareiras iluminadas pelos raios do sol. É que quase todas as espécies detestam a sombra e a falta de luz.

Em Monsanto, nem sempre foi assim. Duarte Marques lembra que terá sido a decisão de transformar esta serra num parque florestal, nos anos 40, com a plantação de muitas árvores, que acabou com muitas das orquídeas que povoavam estes terrenos – por deixar de haver sol.

“A florestação de Monsanto foi de tal modo intensa, que não escapou quase nada”, lamenta. Perto da zona do Restelo, por onde andamos, ainda se conseguem encontrar algumas espécies, mas noutras partes do parque, como junto a Benfica, “a mata é tão fechada” que quase não vale a pena procurar. Ainda assim, ocorrem ali pelo menos duas espécies que gostam de sombra: Cephalanthera longifolia e Gennaria diphylla.

 

Gennaria diphylla. Ilustração: Jeanne Waltz
Gennaria diphylla

 

Na busca de orquídeas, o melhor é procurar terrenos descampados e incultos, esta última “uma condição quase essencial”. As zonas calcárias, como acontece com muitas serras, são uma boa aposta.

Algumas áreas protegidas, aliás, são locais onde se encontram muitas destas plantas, acrescenta Joaquim Pessoa que, tal como o nosso guia, é membro fundador da AOSP. É aconselhável procurar as áreas protegidas com terrenos calcários e “com habitats de prados secos seminaturais”, explica o mesmo responsável.

Locais sugeridos: o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, a Paisagem Protegida da Serra de Montejunto, o Parque Natural de Sintra-Cascais, o Parque Natural da Arrábida, a Paisagem Protegida Local da Rocha da Pena e a Paisagem Protegida Local da Fonte Benémola.

Por outro lado, por vezes bastam poucos dias para que uma espécie já não esteja em flor. Foi o que aconteceu no nosso passeio com a Gennaria diphylla, toda de verde, que encontrámos com as flores já secas e em fruto. Fica para o próximo ano.

 

3. Ande com os olhos bem abertos

Ao contrário das suas congéneres tropicais, muitas orquídeas portuguesas são mais pequenas, quase tímidas. Confundem-se com a paisagem em volta.

É por isso que o passeante distraído pode passar por uma mão cheia de orquídeas silvestres e nem sequer dar por elas. “Por vezes, não estou a ver nenhuma, mas quando encontro a primeira, de repente percebo que tenho muitas à minha volta”, nota Duarte Marques. Foi o que aconteceu com as Aceras anthropophorum com que deparámos, quase todas a dar fruto.

 

Aceras anthropophora
Aceras anthropophorum

 

Esta espécie ostenta as suas pequeninas flores numa curiosa coloração verde e é conhecida também por “erva-dos-meninos” ou “erva-do-homem-enforcado”, pois de cada flor parecem sair dois braços e duas pernas.

Com entusiasmo, deparamos também com as Ophrys pintoi. Até porque um dos exemplares se distingue dos habituais desta espécie, que costumam “ser pequenas e com poucas flores”. “Esta é maior e com mais flores”, analisa o investigador que, em conjunto com um amigo, já encontrou outros exemplares semelhantes e desconfia de que sejam híbridos, intermédias entre as pintoi e as Ophrys fusca, que são maiores.

É que a família das orquídeas tem uma grande facilidade de hibridação, em que duas plantas de espécie diferente se reproduzem e dão origem a uma nova planta, com características de ambas.

 

  1. Trate-as com toda a delicadeza… e algum afastamento

Não é sem razão que as orquídeas preferem passar discretas aos olhos humanos. Afinal, a tentação de agarrar uma planta em flor e levá-la para casa, por ser tão diferente, significa a morte certa para essas flores.

Significa também que essa planta já não se vai conseguir reproduzir, o que muitas vezes repetido pode terminar na extinção de uma espécie, alerta este investigador, que avisa: “Nunca, mas mesmo nunca, se deve apanhar uma orquídea”.

Além do mais, a forma como estas plantas se reproduzem, quando as deixamos cumprir o seu objectivo, é fascinante. Muitas orquídeas imitam as fémeas dos insectos de uma determinada espécie, como as Ophrys lutea que encontramos numa clareira e que parecem pequenas abelhas, negras e amarelas.

 

Ophrys lutea. Ilustração: Jeanne Waltz
Ophrys lutea

 

“As orquídeas não têm anteras, mas sim duas ou três pequeninas aglomerações de pólen chamadas polinídias, com uma parte adesiva, que ficam coladas ao abdómen ou à cabeça dos machos quando estes tentam copular com a fémea – que afinal é uma flor”, explica. Quando o macho é novamente seduzido, por outra orquídea mais adiante, “as polinídias já murcharam um pouco e soltam-se quando o insecto toca na nova flor.”

Outra pista para se encontrarem orquídeas, aliás, está relacionada com a sua reprodução. Abelhas, vespas, besouros. Se tiverem um comportamento estranho, pode ser que estejam seduzidos por espécies que produzem uns aromas semelhantes às feromonas da família dos insectos e atraem pelo cheiro: “É giro que às vezes vemos os insectos polinizadores a ficarem como que bêbados”, comenta o nosso guia. Isso acontece, por exemplo, com as orquídeas do género Orchis.

 

  1. Vá sozinho ou em pequenos grupos (e guarde segredo)

Quem gosta de orquídeas não se importa de andar à procura sozinho, mas o melhor é ser discreto, porque por vezes estes locais são muito isolados. E mesmo em passeio, os grupos devem ser pequenos possível, pois o risco de se pisarem orquídeas é menor.

Outro conselho: nunca divulgue a localização exacta destes pequenos tesouros a ouvidos indiscretos, nos quais não confie. Não vá ser grande a tentação de quem escuta.

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez

Para aprender mais sobre as orquídeas portuguesas e perceber quais é que estão em floração durante os diferentes meses do ano, pode consultar estes sites sugeridos por Joaquim Pessoa, da AOSP: Insectos a Florir, Orquídeas Além-Tejo, Orquídeas de Portugal, Orquídeas Silvestres Portuguesas, Dias com Árvores e ainda Orquídeas Soltas. Pode espreitar ainda esta página do Facebook.

Se for dar um passeio na zona Centro do país, existem várias espécies em floração nesta altura do ano, em especial na Serra de Sicó e no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Joaquim Pessoa sugere a Anacamptis champagneuxii,  a Anacamptis pyramidalis, a Cephalanthera longifoliaEpipactis tremolsii, Ophrys apifera e a Serapias lingua.

 

Já na zona de Oeiras, acrescenta Duarte Marques, por estes dias também se encontram em flor a Ophrys apifera e a Anacamptis pyramidalis, além da Serapias parviflora e da Ophrys picta.

[divider type=”thin”]Hoje celebra-se o Dia Internacional do Fascínio das Plantas. Descubra aqui as dezenas de actividades organizadas em Portugal e onde poderá participar.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.