Raquel Gaspar, durante uma acção de limpeza. Foto: João Augusto

Raquel Gaspar: “Só com persistência podemos mudar hábitos”

A campanha Mariscar SEM Lixo faz quatro anos esta Sexta-feira Santa. A Wilder falou com Raquel Gaspar, a sua coordenadora, sobre o que este projecto já conseguiu, em nome do Estuário do Sado.

 

WILDER: Quando criaram esta campanha, o que queriam resolver ou mudar no Estuário do Sado?

Raquel Gaspar: A campanha Mariscar SEM Lixo nasceu com a visão de mudar o comportamento dos mariscadores do lingueirão em deixar as embalagens de plástico de sal no estuário do Sado.  Esta era uma prática que vinha desde os anos 1970/80. Acabámos por criar uma campanha que respondia a um problema local mas também ao problema global da contaminação do oceano pelo plástico.

Começámos precisamente numa Sexta-feira Santa, dia em que mais de 1.000 mariscadores vão ao Estuário do Sado apanhar lingueirão para o convívio desse dia. Recordo-me que no local onde intervimos com a primeira ação, em 2016, recuperámos 2.000 embalagens. Hoje já não encontramos embalagens de sal neste local, que é uma das principais áreas de mariscagem!

 

W: O que foi crucial para a campanha nestes três anos? 

Raquel Gaspar: Cada vez apanhamos menos embalagens de sal novas. Isto significa que fomos agentes de mudança não só para os mariscadores profissionais, que agora trazem as embalagens vazias, mas também para a maioria dos mariscadores lúdicos. Conseguimo-lo através da sensibilização direta, envolvendo voluntários e os próprios mariscadores, em particular mulheres da comunidade piscatória. Com o apoio da Fundação Oceano Azul e do Oceanário de Lisboa criámos uma rede de agentes de sensibilização. Tenho um carinho muito especial por esta equipa de mulheres, elas têm um importante papel de liderança.

Envolvemos as juntas de freguesia e as câmaras municipais inspirando a sua preocupação para o problema do lixo marinho. A colocação de contentores, nos portos e em locais de mariscagem também contribuiu para a mudança de comportamentos.

 

W: Que papel tiveram os voluntários nesta campanha?

Raquel Gaspar: Assumimos o compromisso de limpar o Estuário do Sado todos os meses. Em três anos fizemos 45 ações de limpeza e retirámos 48 toneladas de lixo deste estuário! O principal fator da força deste resultado foi termos conseguido mobilizar mais de 3.400 voluntários e as pessoas da comunidade. Nos dois últimos anos, estas ações foram conseguidas com o apoio da Fundação Oceano Azul e do Oceanário de Lisboa e de muitas entidades e empresas locais que se associaram, providenciando transporte, instrumentos, alimentação e comodidades para os voluntários. É graças ao seu empenho que hoje chegámos aqui, intervindo na limpeza de grande parte do estuário, retirando o lixo que ali estava acumulado ao longo de tantos anos.

 

W: Hoje o Estuário do Sado está mais limpo? Que diferenças nota na quantidade de lixo na natureza?

Raquel Gaspar: A quantidade de lixo que recolhemos nas margens tem vindo a diminuir a olhos vistos! Noto que neste último ano há uma maior empatia das pessoas e mais mudanças em relação ao problema do lixo marinho. Mas não deixo de reparar que cada vez se produz mais lixo. Os contentores estão tantas vezes sobrelotados. Parte do lixo seguirá pelas ruas e pelos cursos de água e acabará no mar.

 

W: Podemos, então, considerar que o Estuário do Sado está melhor mas que ainda não está bem.

Raquel Gaspar: Exacto. Sinto que só com persistência podemos mudar hábitos e que há ainda situações para as quais não conseguimos encontrar soluções certas. É nossa responsabilidade manter esta campanha para criar memória e assim poder mudar a história, deixar de haver uma maré de embalagens de sal no estuário do Sado. Precisamos encontrarmos soluções para o plástico descartável associado à apanha de lingueirão. Um mariscador profissional pode gastar cerca de 15 embalagens numa só maré. Em três anos recuperámos mais de 54.000. Acredito que parte significativa das que foram deixadas no mar no passado fazem hoje parte do ecossistema. Já não as podemos recuperar.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Se quiser participar como voluntário na próxima acção da campanha Mariscar SEM Lixo, a 19 de Abril, saiba mais aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.