Miguel construiu uma charca para a vida selvagem

O verão já ficou para trás. Foi ainda mais quente do que os dos últimos anos, facto que reavivou a vontade de concretizar uma ideia que há muito acalentava. Arranquei finalmente com a construção de uma charca, motivado pelas elevadas temperaturas registadas nos primeiros dias de julho.

 

 

Criar um espelho de água, por mais pequeno que seja, é sempre muito importante, especialmente se o local escolhido for uma zona interior sujeita a um clima continental de grandes amplitudes térmicas onde os locais com água para a vida selvagem se tornam escassos logo que a primavera se instala e as chuvas rareiam. Foi o caso, o interior de um olival bem no coração da terra quente do nordeste transmontano. Depressa confirmei a vida que se começa a instalar assim que a água surge e se mantém.

Na abertura da cova com cerca de três metros e meio de diâmetro, houve a preocupação de acautelar dois requisitos. Alguma profundidade na parte central, de modo a garantir a manutenção de uma temperatura da água mais baixa e uma perda por evaporação menos gravosa. E margens suaves, com um declive pouco acentuado, para facilitar não apenas uma naturalização mais eficiente e a fixação mais rápida de vegetação, como também o acesso à água dos potenciais utilizadores, nomeadamente das aves.

Acautelados estes requisitos, o fundo foi revestido com um plástico resistente sobre o qual se depositou uma pequena camada de terra. Esta também foi utilizada para cobrir o remate da tela no talude de protecção do espelho de água. Não foi esquecida a instalação de um tubo enfiado no talude para que o nível da água não ultrapasse uma determinada cota de cheia. Algumas pedras e pequenos ramos de lenha seca, estrategicamente colocados nas margens, servirão para criar locais de abrigo dentro e fora da água.

 

 

A charca está prestes a nascer agora que se enche de água. Futuramente será alimentada por um furo próximo, já existente, recorrendo-se a um pequeno motor eléctrico acionado por um painel fotovoltaico. De um pequeno rio que normalmente “morre” no pino do verão, proveem as primeiras plantas aquáticas mergulhadas na lama humedecida num dos cantos da charca.

Os dias sucedem-se abrasadores. Quarenta e oito horas depois de a charca ter sido cheia, alfaiates e outros pequenos insectos, alguns bons mergulhadores, são os primeiros a bulir na água. A expectativa é grande quando, no final da primeira semana, deixo a região já com o registo de um ou outro pardal-comum a visitar o novo ponto de água com regularidade e as plantas introduzidas a reagirem bem ao choque do transplante.

Meados da primeira quinzena de Setembro. Precisamente dois meses depois, estou de novo diante da charca. Dir-se-ia que ela há muito que existe! As margens e o talude estão cheios de vegetação gerando um forte contraste com o solo seco que a rodeia. As plantas trazidas do rio já se reproduziram. A variedade de insectos aumentou, há libélulas vermelhas, outras azuis, a sobrevoar a água e pousadas nas estacas erguidas em seu redor. O vai e vem de aves é constante principalmente a meio da manhã. Banham-se insistentemente, misturando-se várias espécies. A curiosidade para saber quantas são é enorme. Para tal, é montado um pequeno abrigo (“hide”) a cerca de três metros de distância. Só o utilizarei daqui a alguns dias quando as aves se habituarem à sua presença. Entretanto, com tanta fauna e flora presente volto ao rio desta vez para recolher algumas rãs-verdes que darão outra vida ao “lago dos pássaros”, como alguém já lhes chama.

 

 

Chega então o momento do controlo. Os dias ainda aquecem, mas já não está o calor infernal do mês de julho. Cerca de dez minutos depois de me instalar dentro do abrigo, eis os primeiros banhistas. Já conto mais de uma dúzia de pardais, mas uma observação mais atenta permite constatar que alguns são pardais-montês. Os estorninhos-pretos vão chegando e partindo, banham-se com mais vigor. Os estorninhos-malhados também já cá estão.

 

 

Um chapim-real e várias rolas-turcas fazem visitas breves, apenas para beber. Nos taludes, catando minhocas, uma parelha de cartaxos-comuns. Nas estacas vão pousando rabirruivos-pretos, piscos-de-peito-ruivo e papa-moscas-pretos. Um chamariz chega para uma visita rápida e nas imediações ouvem-se trepadeiras-comuns. Pelas dez horas da manhã o congestionamento é total com os estorninhos a tentar afastar a multidão de pardais que todos os dias tomam a charca de assalto. Duas semanas depois de as ter lançado à água, confirmo a permanência de todas as rãs. São ainda pequenas mas movem-se com total à vontade, como se tivessem nascido ali.

Com o decorrer dos dias a importância da charca torna-se mais evidente. É o que espero ir confirmando com o acompanhamento que continuarei a desenvolver.