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Bico-de-lacre. Foto: Derek Keats/Wiki Commons

Portugal já foi um dos maiores importadores de aves selvagens

Portugal foi um dos maiores compradores de aves selvagens em todo o mundo até à interdição destas importações pela União Europeia (UE), que levou ao colapso deste comércio.

 

Este dado foi revelado por uma equipa internacional que incluiu vários investigadores portugueses, num estudo publicado em Novembro pela revista Science Advances.

“Quisemos perceber quais são as influências que o comércio internacional de aves tem sobre as invasões por espécies exóticas”, indicou à Wilder o autor principal do estudo, Luís Reino, investigador no CIBIO-InBIO (Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Recursos Genéticos).

Os cientistas compararam os números do comércio de aves selvagens antes e depois da interdição de importações pela União Europeia (UE), decidida em 2005 devido aos receios de contágio da gripe asiática. Em análise estiveram os dados registados entre 1995 e 2011 no âmbito da CITES (Convenção sobre o comércio internacional de espécies silvestres ameaçadas de fauna e flora), que reflectem o comércio legal dessas espécies.

Assim, entre 1995 e 2005, Portugal foi um dos cinco países responsáveis por dois terços das compras de aves selvagens no mercado mundial, juntamente com a Bélgica, Itália, Holanda e Espanha. “Todos estes cinco países tinham uma forte tradição colonial”, lembrou Luís Reino, acrescentando que muitas aves seriam depois revendidas para outros destinos.

Na altura, a grande maioria das aves importadas em todo o mundo vinham da África Ocidental, em especial da Guiné, Mali e Senegal, que representavam 70% das vendas. Em causa estavam passeriformes (cerca de 80% do total), incluindo aves populares como o canário-de-moçambique e o bico-de-lacre. Este último naturalizou-se em Portugal e hoje pode encontrar-se de Norte a Sul do país.

 

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Bico-de-lacre, espécie exótica que se tornou comum em Portugal. Foto: Fransceso Veronesi/Wiki Commons

 

Com a entrada em vigor da interdição, que foi progressiva, o comércio mundial caiu de cerca de 1,3 milhões de aves comercializadas por ano para apenas cerca de 130.000. A equipa de cientistas demonstrou também que o comércio internacional é o principal motivo para a invasão por espécies exóticas, um risco que diminuiu fortemente.

A descida foi especialmente forte nos passeriformes, geralmente aves de pequenas dimensões, para as quais “o comércio colapsou e não recuperou até agora”, notou o mesmo investigador.

Já a importação de papagaios, araras e semelhantes também caiu, mas não tanto, “e tem tido alguma tendência para recuperar”, indicou Luís Reino, lembrando que o valor económico por papagaio é bem maior do que muitos passeriformes e pode chegar a mais de 1000 euros por ave.

Hoje em dia, este grupo dos psitacídeos representa 78% do comércio global de aves selvagens, o que está ligado à transformação dos países da América Latina nos maiores exportadores do mundo (mais de 50% do total). “Os psitacídeos são não só o grupo de aves mais ameaçado, mas também aquele com maior probabilidade de se estabelecer em países onde não ocorre naturalmente”, nota em comunicado o CIBIO-InBio.

 

Riscos para a biodiversidade

Os maiores importadores são agora países como os Estados Unidos e o México, onde as importações anuais passaram de 23.000 para 82.000 aves.

O interesse está também a crescer por parte da Indonésia e de outros países no Sudeste Asiático – um dado preocupante para Luís Reino, que avisa: “Ao haver um grande controlo na União Europeia, o interesse está a aumentar em países com uma grande biodiversidade, como a Indonésia, o que pode representar um risco ainda maior [no que respeita à introdução de espécies de aves exóticas].” Estas podem, por exemplo, transportar consigo doenças fatais para as aves nativas.

 

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Papagaio-cinzento, cuja conservação está ameaçada pelo comércio mundial. Foto: Dick Daniels/Wiki Commons

 

Além dos fortes riscos para a biodiversidade ligados a estas invasões aviárias, associadas ao comércio internacional de aves, o investigador chama também a atenção para o impacto deste negócio sobre algumas espécies. O papagaio-cinzento, por exemplo, está ameaçado devido ao volume anual de animais capturados para o comércio internacional.

Solução? “Era importante que não fosse permitido o comércio de aves a nível global”, sublinha o investigador, que faz todavia uma ressalva. “No Senegal, quando se deu a interdição na UE, muitas famílias que viviam do comércio de aves ficaram com o negócio completamente perdido. É preciso ter em conta os impactos dessas medidas nas populações locais.”

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.