Investigadores estudam as razões dos musaranhos para se juntarem em abrigos no Inverno

Era algo que se pensava que pudesse acontecer mas agora, uma equipa de investigadores provou que, no Inverno, os musaranhos-de-dentes-brancos deixam de andar sozinhos e se juntam em abrigos para enfrentar o frio.

Esta descoberta sobre o comportamento social do musaranho-de-dentes-brancos (Crocidura russula) foi publicada num artigo na revista científica Behavioral Ecology and Sociobiology em Outubro.

As estratégias que usamos para conservar o calor corporal no Inverno não são assim tão diferentes quanto as de outros mamíferos. Passamos mais tempo dentro de casa e usamos roupa mais quente para sair à rua. Muitos mamíferos reduzem a atividade para evitarem a exposição às baixas temperaturas e outros ganham uma camada de pelagem e gordura mais espessas para obterem um maior isolamento térmico.

Uma outra forma de conservar o calor durante o inverno é através do ajuntamento de vários indivíduos. Indivíduos de espécies que são predominantemente solitárias, isto é, cujos indivíduos vivem a maior parte do tempo sozinhos, acabam por se juntar em abrigos durante os meses mais frios de forma a conservar o calor. Esta estratégia de ajuntamento é cientificamente apelidada de termorregulação social e era o que se acreditava acontecer com o musaranho-de-dentes-brancos.

Estudos realizados na Suíça, há cerca de 30 anos, mostram que, no Inverno, os musaranhos-de-dentes-brancos partilham o seu território com vários indivíduos da mesma espécie e juntam-se no mesmo abrigo, quando não estão ativos, para se aquecerem e conservarem energia. Durante a época de reprodução, machos e fêmeas formam casais monogâmicos que excluem outros indivíduos do seu território partilhado. Estes estudos sugerem que esta espécie só utiliza a termorregulação social nos meses mais frios do ano.

O grupo de investigadores deste estudo conseguiu demonstrar que os relacionamentos sociais não são exclusivamente determinados pela termorregulação e que a termorregulação social traz benefícios para os musaranhos, para além da economia de energia.

Para esta investigação, foram capturados musaranhos selvagens no Parque Natural de Sintra-Cascais em duas estações do ano, no Inverno e no Verão. Depois, foram transportados para um biotério e divididos em grupos de seis indivíduos para que o seu comportamento social pudesse ser observado. Mais tarde, foi medido o consumo de oxigénio dos diferentes grupos de indivíduos para avaliar a poupança de energia durante a termorregulação social.

Os investigadores registaram alguns comportamentos curiosos. O responsável pelo estudo, Flávio Oliveira, investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) polo da Ciências ULisboa, diz que os indivíduos se juntam no mesmo abrigo no inverno, mas, surpreendentemente, também se ajuntam no Verão. “No Inverno, a partilha de abrigos é motivada pela poupança energética pois quanto mais animais ocupam o mesmo abrigo, menor o consumo de oxigénio; no Verão, a poupança energética só se verificou em ajuntamentos até três animais, não se tendo verificado a mesma poupança em ajuntamentos com mais de três musaranhos”, explica.

O grupo de investigadores concluiu que a termorregulação social traz mais benefícios energéticos para os musaranhos no Inverno do que no Verão. No entanto, a aglomeração de indivíduos também ocorre em temperaturas quentes, quando os benefícios energéticos já não são significativos.

Estas observações sugerem que os ajuntamentos trazem benefícios para os musaranhos para além da economia energética. A interação social entre os indivíduos também influencia a massa corporal, a alimentação e o torpor diário – estratégia de conservação de energia, que consiste na redução do metabolismo e da temperatura corporal dos indivíduos durante um curto período de tempo. “Esta estratégia foi usada com mais frequência quando os musaranhos estavam isolados, ou seja, é provável que a termorregulação social compense a poupança energética que advém do torpor, e não seja necessário recorrer a essa estratégia”, esclarece Joaquim Tapisso, colaborador do CESAM Ciências ULisboa.

Uma outra observação que o grupo registou relaciona-se com a competitividade entre os indivíduos da espécie. Observaram que há uma grande competitividade por alimento no Inverno, durante os primeiros dias após os musaranhos se juntarem, um comportamento que não se verificou no Verão. “Parece contraditório que a estação do ano em que mais se esperava que a socialidade fosse superior seja também aquela em que se observa mais competição”, afirma Rita Monarca, investigadora pós-doutoral no CESAM Ciências ULisboa.

A equipa de investigação admite que a discrepância entre resultados poderá dever-se às diferenças na competitividade e nas condições ambientais entre Portugal e a Suíça. Na Suíça, os Invernos são mais frios e chuvosos, o alimento não é tão abundante e esta espécie enfrenta competição de outras espécies de musaranhos pelos recursos disponíveis. Assim, a reprodução ocorre apenas na Primavera e Verão. Em Portugal, as condições climáticas são relativamente mais estáveis, a espécie é o musaranho dominante em praticamente todos os habitats e reproduz-se durante quase todo o ano. É provável que o comportamento social reflita estas diferenças e seja menos variável ao longo do ano em habitats onde as condições ambientais são mais constantes.

Os investigadores consideram que há ainda muito a aprender sobre as respostas ecológicas e comportamentais dos animais face às condições ambientais, nomeadamente de que forma o comportamento social da espécie irá alterar tendo em conta as alterações climáticas.

O estudo – financiado pela FCT e realizado em colaboração com a empresa Parques de Sintra – Monte da Lua – é resultado do trabalho de colaboração entre cinco coautores: Flávio G. OliveiraRita I. MonarcaLeszek RychlikMaria da Luz MathiasJoaquim T. Tapisso.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.