Foto: Joana Bourgard

A partir de agora Portugal tem uma Rede para conservar os nossos polinizadores

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A polli.NET, que vai ser lançada a 5 de Junho, reúne já 90 investigadores, conservacionistas, cidadãos, autarcas e produtores para ajudar os polinizadores. Uma das suas primeiras acções será elaborar o primeiro plano de acção nacional dedicado a estas espécies. A Wilder falou com a coordenadora da Rede, Sílvia Castro.

WILDER: Como surgiu a ideia de criar a polli.NET – Rede Colaborativa para a Avaliação, Conservação e Valorização dos Polinizadores e da Polinização?

Sílvia Castro: Os polinizadores têm um papel crucial na manutenção dos ecossistemas terrestres e na produção agrícola. Muitas das nossas culturas dependem de polinizadores. Mas estas espécies estão hoje impactadas pelas alterações globais. A Rede polli.NET surge de uma conjugação de contextos nacionais e internacionais e da vontade de contribuir para a conservação do nosso património natural, neste caso os polinizadores. Internacionalmente, com o lançamento da avaliação do estado atual dos nossos polinizadores pela IPBES em 2016, têm surgido inúmeras iniciativas de promoção de ações concertadas para a sua conservação. Exemplos disso são a Iniciativa Internacional de Polinizadores apoiada e coordenada pela FAO (2016), a Aliança Internacional Promote Pollinators (2016) e a primeira Iniciativa Europeia, EU Pollinators Iniciative (2018).

Em Abril de 2020, Portugal – através da Professora Helena Freitas, ponto de contacto nacional da Plataforma Internacional para a Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES), e da Sílvia Castro (Investigadora Auxiliar do FLOWer Lab, Centre for Functional Ecology – Science for People & the Planet da Universidade de Coimbra, CFE-UC) – junta-se à aliança Promote Pollinators e é chamado a fazer um ponto de situação para o território nacional. Nesse momento são identificadas as inúmeras iniciativas no território português, desde levantamentos dos insetos para a Lista Vermelha de Invertebrados (grupo onde se incluem a grande maioria dos polinizadores no nosso território), projetos de investigação específicos e checklists, a atividades de disseminação e projetos de Ciências Cidadã. Ao mesmo tempo são identificadas grandes lacunas no nosso conhecimento, assim como a inexistência de uma estratégia concertada a nível nacional. Nesse sentido, em Janeiro de 2021, e apoiados pela Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030, o CFE-UC em conjunto com o Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), deu os primeiros passos para estabelecer uma Rede Colaborativa de Avaliação, Conservação e Valorização dos Polinizadores e Serviços de Polinização.

W: O que pretende ser a polli.NET? Quais os seus principais objectivos?

Sílvia Castro: Os objetivos principais da polli.NET são reunir a comunidade científica, partes interessadas e sociedade civil ligada, direta e indiretamente, aos polinizadores e à polinização, de forma a promover a partilha de informação e transferência de conhecimento entre todas as partes interessadas e promover a formação de investigadores e cidadãos. A Rede Colaborativa tem ainda como objetivo o desenvolvimento de um plano de ação a nível nacional para a avaliação, conservação e valorização dos polinizadores, e promover a implementação das ações nele propostas, envolvendo todas as partes interessadas num processo de trabalho colaborativo e de comprometimento por parte de todos os intervenientes.

W: Que polinizadores serão abrangidos pela polli.NET? Só insectos?

Sílvia Castro: A polli.NET foca-se nos polinizadores como um todo no nosso território. Os polinizadores no nosso território continental pertencem maioritariamente ao grupo dos insetos, incluindo abelhas, borboletas, escaravelhos, moscas das flores, formigas e vespas. Curiosamente há um caso recentemente descrito de polinização por aves, mais concretamente a felosa-comum, polinizadora do arbusto Anágira (Anagryris foetida). No entanto, em sistemas insulares como nos nossos arquipélagos, desenvolveram-se novas interações pelo contexto de ilha e, além dos insetos, existem espécies de plantas polinizadas por aves e répteis (como o massaroco, Echium candicans, polinizado por abelhas, borboletas e répteis).

W: Por que já fazia falta esta rede? O que vai trazer de diferente?

Sílvia Castro: Primeiro, os polinizadores são um grupo funcional fundamental à manutenção dos ecossistemas. Segundo, dadas as atuais ameaças resultantes das alterações globais – desde a perda de habitat natural, à intensificação dos sistemas agrícolas, aumento do uso de fitofármacos e invasões biológicas, às alterações climáticas – é urgente conhecer a situação do nosso território para sermos capazes de delinear medidas concretas para a conservação deste grupo funcional. Terceiro, apesar de estar patente na Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 e dos avanços recentes ao nível internacional, não existe uma estratégia nacional concertada para este grupo de organismos em particular. Inúmeros países estão a desenvolver os seus próprios planos de ação, como por exemplo Espanha que acaba de lançar o seu. Perante a importância e as ameaças que enfrentam, é crucial desenvolver e implementar um plano de ação ao nível nacional assente num trabalho colaborativo entre todas as partes interessadas. A Rede polli.NET permitirá ligar todas as partes interessadas, promover a partilha de conhecimento e de experiências e o trabalho conjunto para um bem comum. 

W: O que pode avançar quanto às primeiras medidas práticas para conservar os polinizadores, previstas nesta Rede?  

Sílvia Castro: Neste momento, a Rede polli.NET está a dar os primeiros passos. O primeiro objetivo é consolidar a Rede e fazer o mapeamento de competências ao nível nacional, estruturadas naquilo que se identificam como os pilares de ação da Rede: conhecimento, ação e disseminação. O conhecimento porque é fundamental desenvolver investigação científica para conhecermos os nossos polinizadores, o impacto das pressões a que estão sujeitos e desenvolver soluções; a ação porque é crucial implementar soluções para conservar e valorizar os polinizadores que incluam todas as partes interessadas, inclusive os decisores políticos; e disseminação porque ‘só conservamos o que conhecemos’ e é imperativo a criação de uma consciência coletiva para a importância dos polinizadores. Assentes nestes pilares e identificando grupos de trabalho com as competências adequadas, pretende-se desenvolver um plano de ação onde serão elencadas medidas práticas concretas. Neste momento foi criado o site da Rede com todas as atividades relacionadas com polinizadores e polinização dinamizadas ou promovidas pelos membros. Adicionalmente, como primeira iniciativa da comissão de coordenação da polli.NET, fizemos uma candidatura ao Fundo Ambiental de divulgação da importância dos polinizadores em ambientes urbanos para promover a participação ativa dos cidadãos, municípios e escolas através do desenvolvimento de boas práticas nos seus jardins e outros espaços verdes, que são aqui utilizados como uma ferramenta de educação ambiental.

 W: Quanto à área da investigação científica, quais as principais perguntas que vão tentar responder?

Sílvia Castro: O plano de ação abordará várias problemáticas em torno dos polinizadores, desde a avaliação das tendências das populações no território – estão as populações a crescer, estáveis ou em declínio? -, que espécies estão ameaçadas e quais os habitats prioritários para a sua conservação, quais são as causas e consequências das alterações na comunidade de polinizadores quer nos ecossistemas naturais quer no setor produtivo (i.e., em agroecossistemas), como podemos encontrar um equilíbrio entre polinizadores geridos e selvagens, quais são os impactos de diferentes práticas de gestão ao nível local e ao nível da paisagem na comunidade de polinizadores. Entre muitas outras.

W: Quem faz parte da polli.NET? Como funcionará?

Sílvia Castro: Neste momento, a polli.NET conta com mais de 90 membros de diferentes instituições que incluem a academia, administração pública, ONG, empresas, associações de produtores, plataformas digitais e autarquias. A sua orgânica atual é muito simples, tendo sido constituída conjuntamente com o ICNF uma Comissão de Coordenação composta por membros-chave da Academia que têm contribuído para o estudo e desenvolvimento da área científica da Entomologia e da Ecologia da Polinização em Portugal, e que têm vindo a trabalhar na definição da Missão e Objetivos a curto e a médio prazo da Rede Colaborativa, e na elaboração da lista de membros. Apesar do estabelecimento de objetivos a curto, médio e longo prazo, a avaliação, conservação e valorização dos polinizadores e da polinização é um trabalho de continuidade e permanente e, à semelhança de outras práticas ambientais (e.g., gestão de resíduos sólidos), iremos trabalhar para que as boas práticas para a conservação dos polinizadores façam parte do dia dos cidadãos e de todas as instituições, para a salvaguarda deste serviço dos ecossistemas tão importante para a natureza, a agricultura e o bem-estar humano.

W: Qual o papel dos cidadãos e de alguns grupos-alvo, nomeadamente os agricultores e autarcas?

Sílvia Castro: Estes públicos-alvo são cruciais não só no momento de implementação do plano de ação, mas também no seu desenvolvimento. Primeiro, a criação de uma consciência coletiva para a importância dos polinizadores é crucial para uma participação ativa e para o envolvimento da sociedade como um todo. O cidadão tem o poder de pressionar os decisores politicos na comunidade onde está inserido. Segundo, determinados grupos-alvos como os agricultores e autarcas têm um papel direto na implementação de ações que interferem direta e indiretamente com as comunidades de polinizadores e, por isso, são elementos fundamentais na definição e mudança de práticas de gestão. Algumas associações de produtores aceitaram de imediato a integração da Rede, o que nos deixou bastante satisfeitos, e a curto prazo, faremos um convite dirigido a todos os municípios, após um primeiro contacto inicial com a Associação Nacional de Municípios Portugueses. É efetivamente muito importante o seu envolvimento na Rede e na construção do plano de ação. Acreditamos que só assim a Rede e as suas ações terão sucesso efetivo.

W: Como comenta a situação actual dos polinizadores e do trabalho que falta fazer em Portugal para os conservar?

Sílvia Castro: Sabemos, com base noutras regiões da Europa, que várias espécies estão em declínio. No entanto, desconhecemos as tendências das populações no nosso território. Além disso, o conhecimento que temos sobre as espécies presentes no nosso território é muito heterogéneo. Para alguns grupos existe um bom conhecimento de base (por exemplo, quanto às borboletas conhecemos as espécies do nosso país e sua ecologia), ao passo que para outros grupos de polinizadores o conhecimento é ainda insuficiente (por exemplo, para as abelhas ou para as moscas das flores, ainda estamos a identificar a lista de espécies existentes no território). Existe também heterogeneidade no conhecimento ao nível geográfico, existindo zonas mais bem estudadas do que outras. Desconhecemos ainda a função que estas espécies desempenham na natureza, na polinização das plantas silvestres e na polinização das nossas culturas, assim como o impacto dos polinizadores geridos na fauna silvestre. Sabemos que a aplicação de fitofármacos e a gestão local e da paisagem tem um impacto nas populações de polinizadores silvestres, mas desconhecemos qual a melhor forma de encontrar um equilíbrio entre todos os fatores. Começámos a desenvolver projetos em fileiras específicas com o objetivo de responder a todas estas questões, mas temos um longo caminho a percorrer.


Saiba mais.

A polli.NET vai ser apresentada publicamente a 5 de Junho. A apresentação será online, às 16h00 com transmissão simultânea no Facebook e no YouTube. Com moderação de Helena Freitas e abertura de Mário Reis (ICNF), esta sessão terá uma mesa redonda com Mário Boieiro (Universidade dos Açores), Sílvia Castro (coordenadora da Rede), Helena Ceia (ICNF), Patrícia Garcia-Pereira (Tagis – Centro de Conservação das Borboletas das Portugal), Domingos dos Santos (FNOP, em representação da CAP), Filipe Ribeiro (Biodiversity4all) e Luís Guilherme Sousa (Município de Lousada).

Descubra mais sobre a polli.NET no site do projecto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.