Autora de “A de Açor” lança livro que a confirma como um dos maiores nomes da escrita de natureza

Vesper Flights mostra o brilho da vida não-humana que nos rodeia e as coisas que os animais sempre nos ensinaram. Helen Macdonald a reforçar o seu lugar como um dos maiores nomes da literatura de natureza do último século.

Passaram-se seis anos desde a publicação de H is for Hawk (A de Açor, em Português, editora Lua de Papel), livro que ganhou o Samuel Johnson Prize para não-ficção e o prémio Costa Book of The Year 2014. Por isso, e por se tratar de Helen Macdonald, Vesper Flights era um dos livros mais aguardados do ano para vários críticos literários.

Estes 41 ensaios, reunidos num livro lançado esta semana, foram escritos ao longo da última década. Estão ligados, sugere Macdonald, da mesma forma como os objectos de um gabinete de curiosidades do século XVIII estavam ligados, por acaso, por estranheza e por encantamento aos olhos de quem os via.

São meditações sobre “morte e sexo e cogumelos”, lado a lado com lutas de lebres na Primavera, encontros com javalis e os espectáculos aéreos de milhões de aves migradoras por cima do Empire State Building. Ou ainda a história de como um espião britânico tentou domesticar um cuco e a maravilha que é observar milhares de grous na Hungria.

Nesta colecção de ensaios, a autora britânica de 50 anos – colunista regular da New York Times Magazine, historiadora de Ciência, naturalista, poeta, ilustradora e falcoeira -, celebra o mundo natural de forma exímia. Sem romantismo mas com muito amor.

“Os animais não existem para nos ensinar coisas, mas é isso que têm feito desde sempre, e a maioria das coisas que nos ensinam é o que pensamos saber sobre nós próprios”, escreve a autora.

Para Helen Macdonald, “a nossa forma de olhar para o mundo não é a única”. E desafia os leitores a “imaginar o que significa amar aqueles que não são como nós. Celebrar a complexidade das coisas”.

“Penso que o meu tema é o amor”, conta numa entrevista recente ao jornal The Guardian. “Amor pelo mundo e pelas coisas que contém. E muitas dessas coisas que adoro não são humanas. Não é que as adore mais do que aos humanos; é apenas porque reparo nelas e quero falar sobre elas a todas as pessoas. Quero dizer: ‘Olhem para isto! Olhem como é tão porreiro. É fantástico!”

Macdonald mostra-nos que o encantamento pelo mundo natural pode estar em toda a parte, nas redes subterrâneas de fungos, no nevoeiro, nos veados que “vagueiam por entre as árvores como respiração”, no canto das aves e nas estratégias de caça de uma garça.

Em Vesper Flights, “a autora procura contar um outro tipo de história sobre a natureza, uma que pede aos leitores que vejam o mundo natural como algo mais do que apenas um reflexo de nós próprios. Ao fazer isso, acredita a autora, podemos estar a salvá-lo”, escreve Jake Cline, do jornal The Washington Post.

“Tantas das nossas histórias sobre a natureza são sobre como nos testamos contra ela, como nos colocamos por oposição a ela, definido a nossa humanidade contra ela”, escreve Helen Macdonald no seu novo livro, lançado a 25 de Agosto.

A sua forma de olhar para a natureza surge da sua infância passada na zona rural de South Downs, no sudeste de Inglaterra. Ali Helen MacDonald deixava-se perder nos bosques, tanto no Verão como no Inverno, coleccionava penas, sementes e crânios de pequenos animais, entrava em charcos com água até ao joelho à procura de tritões ou passeava com uma cobra-de-água-de-colar nas mãos.

Mas além deste encantamento, a escrita de Helen Macdonald é marcada pela perda devastadora da biodiversidade, a chamada “sexta extinção”. Para a autora, esta destruição só pode ser travada se, primeiro, despertarmos a sensação de encantamento por exactamente aquilo que estamos a perder.

Recentemente disse numa entrevista ao The Guardian que “é difícil escrever sobre natureza sem escrever sobre mágoa”.

Como acontece com a felosa-assobiadeira (Phylloscopus sibilatrix), “uma ave pequena que está a desaparecer rapidamente das florestas britânicas”, escreve. “Uma coisa é mostrar os factos estatísticos sobre o declínio desta espécie. Outra coisa é comunicar às pessoas o que são as felosas-assobiadeiras, e o que significa a sua perda, quando a nossa experiência de uma floresta que é feita de luz e folhas e cantos se torna menos complexa, menos mágica, simplesmente menos, quando as felosas tiverem partido.”

“Macdonald assumiu como missão comunicar da forma mais exacta possível o que são as felosas-assobiadeiras e tantas outras espécies, na esperança de que as suas palavras não sejam obituários”, escreve Tim Adams no jornal The Guardian.

Vesper Flights

Helen Macdonald

Editora: Grove Atlantic

Data de publicação: 25 de Agosto de 2020

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.