Compensar emissões está a financiar conservação de 26 árvores gigantes na Lousada

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Mais de 500 árvores gigantes de Lousada têm sido abatidas nos últimos anos. Agora, 26 árvores já têm protecção garantida nos próximos 10 anos, graças ao financiamento através da compensação de emissões. Este é apenas o começo do projecto Carbono Biodiverso, como conta a sua equipa.

Desde que começou, em Junho de 2021, o Carbono Biodiverso gerou mais de 45.000 euros para compensar cerca de 300 toneladas de carbono desde Junho de 2021.

Foto: João Gonçalo Soutinho

Segundo os responsáveis por este projecto, a compensação foi feita por nove empresas e 281 cidadãos.

Já foram celebrados contratos de 10 anos entre a VERDE – Associação para a Conservação Integrada da Natureza e os proprietários de 26 gigantes verdes, árvores de grande porte, com mais de 150 centímetros de diâmetro, em Lousada.

Além das Gigantes preservadas, este projecto financiou a plantação de 7.908 árvores nativas – plantadas entre Novembro de 2021 e Março de 2022 em terrenos públicos e privados que precisam de restauro ecológico -, a construção de 14 estruturas de suporte de biodiversidade e o controlo de mais de 9.500 metros quadrados de espécies exóticas invasoras, como acácias (Acacia melanoxylon, Acacia dealbata e Acacia mearnsii), tintureira (Phytolacca americana), cana (Arundo donax), sanguinária-do-japão (Fallopia japonica) e erva-das-pampas (Cortaderia selloana).

Segundo João Gonçalo Soutinho, da Verde, entre as estruturas para a biodiversidade construídas estão “abrigos para a fauna com base em materiais naturais, nomeadamente madeira morta, que podem ser hibernáculo para répteis, sandários para abelhas e vespas solitárias ou mesmo vedações ou anfiteatros de madeira morta”.

Construção de um charco. Foto: João Gonçalo Soutinho

“Em todas as estruturas são reaproveitados restos de ramos ou troncos de podas ou abates, passando a ser abrigo para inúmeros insetos, micromamíferos e anfíbios, mas que também garantem a biodiversidade e a prevalência de fungos e outros decompositores nos espaços florestais capazes de reter a matéria orgânica no solo, ajudando também a sequestrar no solo uma grande parte do carbono incorporado nestes materiais.”

São ainda construídos charcos para a biodiversidade, “permitindo a retenção de água no solo e restabelecendo espaços vitais para a reprodução e preservação de anfíbios que constituem um dos grupos de vertebrados mais ameaçados atualmente”.

Quanto carbono armazena e captura um Gigante Verde?

Em 2018, João Gonçalo Soutinho começou a conhecer e a estudar as  árvores de grande porte de Lousada. 

“Apesar de serem cada vez mais raras, estas árvores têm uma elevada capacidade de sequestrar carbono e albergar múltiplos habitats”, salientou à Wilder a equipa do projecto Carbono Biodiverso.

Foto: João Gonçalo Soutinho

Em Lousada foram identificadas mais de 7.400 Gigantes Verdes ao longo de três anos, com um registo de 530 abates destas árvores desde o início do estudo. Mas podem ter sido abatidas mais. Nesta região “sabe-se agora que o abate destas árvores tem como base a necessidade de alteração do uso do solo (urbanização ou intensificação agrícola), ou mesmo para uso ou venda da madeira”. 

A VERDE nasceu em Março de 2021, para resolver este problema, após ideação de um conselho consultivo que incluiu membros do Município de Lousada, Universidades, empresas nacionais e locais e proprietários locais. 

O projeto Carbono Biodiverso foi lançado em junho de 2021, após um processo de crowdfunding.

“Este é um projeto que liga cidadãos e empresas (que querem compensar a sua pegada ecológica) aos proprietários locais (donos das Gigantes Verdes), financiando ações de preservação destas árvore e de restauro ecológico das suas áreas adjacentes, controlando espécies exóticas invasoras, construindo estruturas de suporte à biodiversidade e plantando árvores nativas.”

Em média, cada Gigante Verde tem 1.500 quilos de carbono nos seus tecidos e retira cada ano mais 50 quilos da atmosfera, segundo a equipa do projecto. Em comparação, uma árvore plantada hoje demora 15 anos a armazenar 50 quilos de carbono. 

Foto: João Gonçalo Soutinho

O carbono armazenado varia consoante a espécie de árvore em questão e outros fatores ambientais. Quanto maior a árvore, mais capacidade ela tem para capturar e armazenar carbono. “Para simplificar o processo, usamos uma plataforma chamada iTree, que foi desenvolvida pelos serviços florestais norte-americanos.”

“Estima-se que o carbono armazenado numa árvore equivale aproximadamente a metade do peso da sua biomassa (acumulada no seu tronco, ramos, folhas e raízes através da fotossíntese). A biomassa de uma árvore pode ser estimada de forma simples medindo as dimensões (altura e diâmetro do tronco) da árvore. Usando equações alométricas estabelecidas através de estudos prévios calcula-se o peso da biomassa. À medida que a árvore vai crescendo, monitoriza-se o aumento nas dimensões para se poder contabilizar o carbono que a árvore captura anualmente além do carbono que já está armazenado. Este conjunto de pressuposto é o que permite estimar os valores de cada árvore.”

Guardiões de Gigantes e proprietários

São Guardião de Gigantes todos os que compensam a sua pegada através do site do Carbono Biodiverso ou entrando em contacto direto com a VERDE. O valor angariado permite financiar todas as ações de preservação e restauro ecológico junto dos proprietários locais. 

Foto: João Gonçalo Soutinho

Ao ser um Guardião, 50% do financiamento é alocado para o pagamento ou promoção de incentivos junto dos proprietários para que preservem as Gigantes Verdes durante 10 anos, reduzindo os riscos da sua morte a longo prazo; 30% para ações de restauro ecológico no terreno; e os restantes 20% são para gestão da VERDE, para assegurar a operacionalização do projeto.

Por seu lado, os proprietários comprometem-se, por exemplo, a preservar a Gigante Verde e o terreno envolvente; a não remover madeira morta caída associada à Gigante Verde; facilitar o acesso às Gigantes Verdes pelos técnicos da VERDE e parceiros; e a recorrer a apoio técnico certificado pela VERDE para diagnosticar problemas, realizar intervenções ou implementar usos do solo na área envolvente.

A associação VERDE compromete-se, por exemplo, a dar um apoio financeiro, através do Pagamento dos Serviços dos Ecossistemas anual, até 100 euros por árvore, durante 10 anos; a avaliar o estado de saúde das suas árvores e medidas de gestão a aplicar; a apoiar a tomada de decisão para a gestão das podas, limpezas seletivas de mato, controlo de plantas infestantes e plantações; e a agendar acções de restauro ecológico na sua propriedade.

Grande parte das acções de restauro ecológico são feitas por voluntários através dos vários projetos que a associação tem em curso (longa e curta duração, mais ou menos intensos) e que os financia.

Acção de restauro ecológico. Foto: João Gonçalo Soutinho

De momento, a associação ainda está a finalizar o processo de seleção final destas primeiras 26 árvores.

“A seleção destas árvores é feita por uma demonstração de interesse de salvaguardar as árvores por parte dos proprietários”, explicou a equipa do projecto. “É efetuada uma avaliação das condições que as árvores apresentam, mas também uma avaliação dos serviços de ecossistema que são prestados por cada exemplar.”

As Gigantes Verdes devem ser espécies nativas com elevado potencial de suporte de biodiversidade, devem ter potencial para regenerar a paisagem onde se encontram e serem classificadas como árvores de interesse público ou municipal.

Neste momento o projeto Carbono Biodiverso está ainda numa fase piloto e por esse motivo ocorre em exclusivo em Lousada.

Mas “após consolidação do projeto nesta área, a VERDE tenciona expandir o modelo para outros territórios do país”.

Qualquer proprietário, neste momento em Lousada, pode identificar as suas árvores de grande porte e registar o seu interesse em receber uma visita ao seu terreno através de um formulário disponível online ou contactando a VERDE através das linhas de comunicação disponíveis.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.