Foto: Rewilding Portugal

Fado foi devolvido à natureza e vai ser seguido ao longe, ajudando outros abutres-pretos

Este abutre-preto juvenil foi encontrado na Serra da Malcata por uma equipa da Rewilding Portugal e recuperou durante dois meses no CERVAS, um centro de recuperação de vida selvagem em Gouveia. Vai passar a ser seguido por GPS.

Foi a 24 de Agosto, durante um dia de trabalho de campo na Serra da Malcata, que dois técnicos da Rewilding Portugal, Pedro Ribeiro e André Couto, depararam com um abutre-preto numa estrada de terra batida. “Um exemplar muito jovem desta que é a maior ave de rapina da Europa e a segunda maior do mundo encontrava-se parado na estrada, visivelmente frágil e debilitado”, descreve uma nota de imprensa desta organização não governamental (ONG), enviada à Wilder.

Embora os abutres-pretos possam atingir 1,20 metros de altura e uma envergadura de asas superior a três metros (cerca de 310 centímetros), “esta cria tinha nascido apenas este Verão e apresentava muitos sinais de desnutrição, precisando de receber apoio profissional”, explica a Rewilding Portugal.

Os dois técnicos decidiram então contactar o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), em busca da melhor solução para o problema, e transportaram o jovem abutre para junto de uma equipa ligada ao instituto. Este foi então encaminhado para o CERVAS – Centro de Ecologia Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens, em Gouveia, no Parque Natural da Serra da Estrela. E foi durante o percurso para o centro que ganhou o nome de Fado.

“Tem este nome porque quando o apanhámos e o transportámos, o abutre estava muito stressado e assustado e mexia-se muito. A mais de meio do caminho ligámos o rádio baixinho e quando começou a tocar fado numa das rádios, a verdade é que ele acalmou-se e percebeu que estava tudo bem e fez a viagem muito mais tranquilo”, contou Pedro Ribeiro, citado na nota de imprensa.

Mas porque terá sido Fado encontrado sem forças e desnutrido? “Naquela altura de Verão em que os juvenis saem do ninho e aprendem a voar e a explorar o território, pode acontecer que alguns se afastem em demasia e acabam por se desorientar, voando grandes distâncias sem rumo até à exaustão”, explica a Rewilding Portugal.

Durante a estadia no CERVAS, o abutre-preto recuperou energias, mais do que duplicando de peso face aos 3,5 quilos com que ali tinha chegado, quando o normal para um abutre da mesma idade é ter mais do que seis quilos. Nesses dois meses, também fez exercícios num túnel de voo.

Seguir ao longe onde voa, repousa e come

Fado voi devolvido à natureza a 27 de Outubro em Fóios, concelho do Sabugal, na Serra das Mesas, juntamente com um grifo que tinha estado em recuperação em condições idênticas. Mas antes da libertação, foi-lhe colocado um emissor GPS que permitirá à Rewilding Portugal segui-lo ao longe, sabendo “para onde se desloca, assim como os seus pontos habituais de alimentação e dormitório”.

O seguimento deste abutre-preto por GPS está ligado ao projecto “Promover a Renaturalização do Grande Vale do Côa”, coordenado pela Rewilding Europe, que conta com a financiamento do Endangered Landscapes Programme e da Fundação Arcadia. O objectivo é mapear essas localizações e partilhar a informação com as autoridades portuguesas e espanholas.

Foto: Rewilding Portugal

Isso é “relevante a nível de ordenamento territorial, pois nestes lugares de dormitório deve ser minimizada a perturbação, evitando alterar os usos do território e a presença de infraestruturas”, indica a Rewilding Portugal. Outro ganho importante, devido ao uso do GPS, é o estudo dos hábitos alimentares destas aves para se evitar a dispersão da espécie face ao seu habitat.

Desta forma, é possível “melhorar a gestão de fontes de alimento para estas aves necrófagas e apoiar o restauro de cadeias tróficas (alimentares) locais. E vai permitir reforçar o corredor de vida selvagem ao longo de 120 mil hectares de terreno no Vale do Côa”, explica Sara Aliácar, técnica de conservação da ONG portuguesa.

“Acompanhando os seus movimentos e estudando os seus comportamentos, a Rewilding Portugal pretende apoiar assim esta espécie em perigo e permitir que esta cumpra o seu papel fundamental nos ecossistemas para que estes se tornem cada vez mais funcionais e completos”, acrescenta a ONG.

Criticamente em Perigo de extinção

Em Portugal, o abutre-preto (Aegypius monachus) está Criticamente em Perigo de extinção devido a várias ameaças: intoxicação e envenenamento; eletrocussão e choques com linhas elétricas; perturbação humana; destruição de habitat; redução das densidades de algumas espécies cujas carcaças são o principal alimento desta espécie, como acontece com o coelho-bravo.

Esta ave necrófaga é também uma das três espécies de abutres que se reproduzem em Portugal, a par do abutre-do-Egipto – também ameaçado – e do grifo. Dá nas vistas devido às suas grandes dimensões, que fazem jus a um peso que pode chegar quase aos 12 quilos.

Abutre-preto. Foto: Francesco Veronesi / Wiki Commons

Quando chega a época de reprodução, constrói os seus ninhos principalmente em sobreiros e azinheiras, nos quais põe apenas um ovo. A época de postura costuma ocorrer entre Fevereiro e Abril.

Por outro lado, por ser uma ave necrófaga, alimenta-se quase exclusivamente de cadáveres de animais. Por isso não possui nem bico nem garras afiadas e o seu voo não é ágil o bastante para caçar animais vivos e com saúde, mas as grandes asas permitem-lhe planar durante dezenas ou centenas de quilómetros, que percorre em busca de alimentos que encontra graças à sua visão apurada.

“Ao contrário do que muitas vezes é dito, os abutres não detetam carcaças ou animais moribundos através do cheiro, a decomposição ou a sangue, uma vez que todas as espécies de abutres da Europa, Ásia e África têm uma capacidade de olfato muito fraca e utilizam a visão”, explica a Rewilding Portugal.


Saiba mais.

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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.