Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ

Faleceu Saliega, a mãe dos primeiros linces nascidos em cativeiro

O lince-ibérico que fez manchetes em 2005, por ter dado à luz Brisa, Brezo e Brecina – os primeiros linces a nascer em cativeiro – morreu aos 17 anos no Zoobotánico Jerez, na Andaluzia.

A notícia da morte de Saliega, carinhosamente chamada como Sali, chegou a 7 de Junho, pelo Programa de Conservação do Lince-Ibérico Ex-Situ.

“A fêmea de lince-ibérico Saliega, que deu o primeiro impulso ao programa de reprodução em cativeiro, faleceu no Zoobotánico Jerez por causas naturais, depois de uma vida longa e produtiva na luta pela sobrevivência desta espécie”, informou o Programa numa nota partilhada no seu Facebook.

Saliega (arquivo). Foto: Programa de Conservación Ex-Situ del Lince Ibérico

Em 2005, todos temiam o pior. A extinção do lince-ibérico (Lynx pardinus) enquanto espécie aproximava-se. Restavam menos de 200 animais em todo o mundo.

Assim se compreende a importância de Saliega, fêmea que, emparelhada com Garfio, deu à luz a 28 de Março de 2005 Brezo, Brisa e Brecina, os primeiros linces-ibéricos a nascer em cativeiro, no âmbito do delicado e complexo programa de reprodução.

Saliega nasceu na população selvagem da Serra Morena em 2002 e foi levada para o Zoobotánico Jerez a 17 de Abril desse mesmo ano, para integrar o programa de conservação da espécie. Tinha um mês de idade e pesava apenas 764 gramas.

Saliega foi a terceira cria da ninhada. As hipóteses de sobrevivência das terceiras ou quartas crias em liberdade são muito reduzidas. Por isso foi retirada à ninhada e levada para o Zoo de Jerez, onde cresceu ao lado de outra fêmea de lince vinda de Doñana, Aura“, explicou o Programa Ex-Situ.

Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservación Ex-Situ del Lince Ibérico/arquivo

“Ninguém poderia imaginar naquele momento que este pequeno animal com menos de um quilo iria trazer tanto conhecimento à conservação de uma espécie”, comentou.

Em Janeiro de 2003, Saliega foi levada para outro centro de reprodução em cativeiro, El Acebuche (em Doñana).

Meses depois, em Dezembro de 2003, o macho Garfio chegou a El Acebuche. Cerca de um ano depois, foi emparelhado com Saliega. Sessenta e quatro dias depois, a 28 de Março de 2005, nasciam Brezo, Brisa e Brecina, as primeiras crias do Programa de Reprodução em cativeiro para esta espécie.

O nascimento destas três crias “marcou a história da conservação deste felino Criticamente Em Perigo de extinção”, sublinhou a mesma nota.

A “boa capacidade reprodutora” de Saliega e o “seu grande instinto maternal tornaram-na um ícone graças ao qual se conheceram aspectos tão importantes como o período de lutas entre as crias – Brecina acabaria por morrer em Maio de 2005 por causa da luta entre irmãos -, a peculiar fisiologia reprodutora desta espécie e as técnicas de maneio em cativeiro mais apropriadas”.

Em Janeiro de 2014, Saliega regressou ao Zoobotánico Jerez, por ter terminado a sua etapa como exemplar reprodutor do Programa Ex-Situ. Desde então permanecia no Zoo, ajudando o programa educativo, podendo ser vista pelo público.

Foto: Programa de Conservación Ex-situ del Lince Ibérico

Este ano deverão nascer entre 36 e 46 crias de lince-ibérico nos cinco centros de reprodução em Portugal e Espanha – Silves, El Acebuche, Zarza de Granadilla, La Olivilla e Zoo de Jerez -, segundo o Programa de Conservação Ex-situ.

O lince-ibérico tem tido uma história atribulada. No século XIX a população mundial da espécie estava estimada em cerca de 100.000 animais, distribuídos por Portugal e Espanha. Mas no início do século XXI restavam menos de 100. Então, os dois países juntaram-se para recuperar habitats e reproduzir animais. O programa Ex-Situ de reprodução em cativeiro é uma das peças deste quebra-cabeças conservacionista que ainda hoje não está resolvido.

Esta é uma espécie classificada desde 22 de Junho de 2015 como Em Perigo de extinção, depois de anos na categoria mais elevada atribuída pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), Criticamente em Perigo.


Saiba mais.

Siga a nossa série “Como nasce um lince-ibérico” e conheça os veterinários, video-vigilantes, tratadores e restante equipa do Centro Nacional de Reprodução (CNRLI) em Silves. E saiba como é cuidar dos linces no Vale do Guadiana.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.