Investigadores instalam protecções para ninhos de borrelhos nas salinas do Samouco

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O borrelho-de-coleira-interrompida está a desaparecer das salinas do Tejo. Para reverter esta situação, uma equipa de investigadores instalou protecções para oito ninhos e está a monitorizar a população reprodutora, explicou Afonso Rocha à Wilder.

Dificilmente haverá ave mais “simpática” nas salinas de Portugal. Os pequenos borrelhos-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus), com o seu “passo” apressado, parecem saídos de um filme de animação e fazem as delícias de quem tem a sorte de os observar.

Borrelho-de-coleira-interrompida. Foto: Zeynéel Cebeci/WikiCommons

Nas salinas do Samouco, no Estuário do Tejo, a população desta espécie limícola tem vindo a diminuir nos últimos anos. “Neste complexo de salinas a pressão predatória é muito elevada”, explicou à Wilder Afonso Rocha, um dos responsáveis do Grupo de Anilhagem do Estuário do Tejo e investigador na Universidade de Aveiro.

Os principais predadores são gralhas, pegas-rabuda, raposas, gatos e cães.

Por isso, a equipa de Afonso Rocha testou a utilização de armações para proteger os ninhos, uma técnica também utilizada noutros locais. 

Armação testada para proteger ninhos de borrelho. Foto: Afonso Rocha

“Neste momento temos oito ninhos com ovos protegidos”, revelou o investigador. “Assim que encontramos um ninho com ovos este é de imediato protegido com uma armação. Esta armação permite o acesso ao ninho pelos borrelhos que passam pela malha da rede e impede a predação dos ovos por gralhas, pegas-rabuda, raposas, gatos e cães. Mesmo assim alguns ninhos são predados, pois as protecções não são eficientes contra a cobra-rateira ou a ratazana-castanha.”

Todos os ninhos protegidos estão nas salinas do Samouco, onde Afonso Rocha monitoriza a população reprodutora de borrelho-de-coleira-interrompida desde 2005. “Este pequeno projecto de conservação surge na monitorização que realizamos todos os anos, desde 2005, e que nos permitiu identificar os predadores dos ovos dos borrelhos.”

A equipa começou a proteger ninhos de borrelho-de-coleira-interrompida há três anos. A iniciativa teve dois motivos: aumento da predação e redução do número de casais reprodutores. “A espécie está a desaparecer das salinas do Tejo e é necessário inverter essa situação.”

Predação de ninho por gralha. Foto: Afonso Rocha

Segundo Afonso Rocha, é preciso “aumentar o sucesso reprodutor, o que permite o recrutamento de novas aves reprodutoras e compensar a mortalidade das aves adultas, e “manter e gerir as áreas de nidificação da espécie”.

“A gestão do habitat é outro factor importantíssimo para o sucesso desta espécie”, recordou o investigador. “Nas salinas é necessário o corte da vegetação dos cômoros (que separam os diferentes tanques) antes do período reprodutor (até meados de Março) e controlar os níveis de água nos tanques, e na faixa costeira limitar a limpeza das praias.”

Afonso Rocha sublinhou que “a limpeza das praias realizada pelas autarquias tem dizimado os ninhos desta espécies ao longo de quase toda a costa portuguesa e é algo que deverá ser repensado. Não só as dunas são imprtantes e precisam de ser preservadas, como é igualmente importante manter uma zona com detritos para que as aves possam nidificar com sucesso”.

Cria de borrelho-de-coleira-interrompida. Foto: Afonso Rocha

A partir de 28 de Maio tem início o Censo Nacional do borrelho-de-coleira-interrompida que Afonso Rocha está a organizar em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). O objectivo é “conhecer o efectivo actual da população reprodutora em todo o território nacional (incluíndo ilhas) com o auxílio dos vigilantes da natureza, observadores volutários e ONG”. 

É pedido aos observadores para anotarem todos os borrelhos observados e ainda as potenciais ameaças à nidificação da espécie. “Dessa forma será possível caracterizar as diferentes ameaças ao longo da costa portuguesa e sugerir medidas de conservação adaptadas aos diferentes locais.”

O censo decorrerá até ao final de Junho.

Nesta altura do ano já há ovos e algumas crias de borrelho-de-coleira-interrompida. “Na área do estuário do Tejo, a nidificação tem começado cada vez mais tarde. Se quando comecei a estudar a nidificação da espécie em 2005 detectava os primeiros ninhos em meados de Março, agora os primeiros ninhos são detectados em meados de Abril, o que faz com que o período reprodutor esteja a encolher, assim como a hipótese de gerar segundas ou terceiras posturas. As chuvas tardias têm sido responsáveis pela inundação de alguns ninhos e parecem que inibem os borrelhos de se reproduzirem.”

Por isso, segundo Afonso Rocha, a temporada de reprodução “até ao momento não está a correr muito bem”. “Mas espero que, com a melhoria das condições meteorológicas, nomeadamente a subida da temperatura, surjam mais ninhos nos próximos dias”.


Saiba mais sobre o Censo Nacional de Borrelho-de-coleira-interrompida aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.