Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ/arquivo

Linces pré-históricos tinham menor diversidade genética do que os linces contemporâneos, revela estudo

Investigadores espanhóis ficaram surpreendidos ao descobrir que os linces pré-históricos, que viveram há cerca de 4000 anos, tinham uma diversidade genética menor do que a dos linces dos nossos dias, segundo um novo estudo científico.

O estudo, liderado pela Estação Biológica de Doñana e publicado na revista Nature Ecology & Evolution, revelou que o lince-ibérico (Lynx pardinus) se misturou com o lince euroasiático (Lynx lynx) nos últimos mil anos, o que terá ajudado a aumentar a sua diversidade genética. “Este estudo é fundamental num cenário actual em que a viabilidade genética do lince-ibérico ainda não está garantida”, lembram os investigadores em comunicado.

A hibridação entre espécies é um fenómeno mais frequente do que se pensava. Agora sabemos que o lince-ibérico também também se hibridou com espécies próximas no passado.

Para realizar este estudo, os investigadores analisaram o ADN de três exemplares pré-históricos de lince-ibérico: um procedente de Andújar e que viveu há cerca de 4300 anos; outro de Alcanar na Catalunha e que viveu há 2500 anos e outro de Portugal, do Algarve, que viveu há 2100 anos.

Depois compararam esta informação com dados genéticos de indivíduos actuais. O que observaram foi totalmente inesperado: a diversidade genética dos linces pré-históricos era menor do que a dos contemporâneos.

Este aumento na diversidade genética ao longo da História não se pode explicar pela dispersão populacional histórica do lince-ibérico. Ao reduzir a sua população ao longo do tempo, a diversidade genética deveria ser menor, não maior. Também não seria possível que os exemplares pré-históricos pertencessem a populações completamente isoladas, já que as análises genéticas estavam a demonstrar que se tinham misturado entre si e com antepassados de linces contemporâneos. O que pôde então ocorrer nos últimos três ou dois mil anos?

A equipa de cientistas encontrou uma resposta possível na hibridação. “As análises revelaram que os linces modernos partilham mais material genético com a sua espécie irmã, o lince euroasiático, do que com os linces mais antigos”, explicou a investigadora María Lucena, principal autora do estudo e que desenvolveu o trabalho durante a sua tese de doutoramento na Estação Biológica de Doñana, na Andaluzia. “Isto sugere que se terá produzido um intercâmbio genético entre as duas espécies nos últimos dois milénios.”

Precisamente, os resultados indicam que os exemplares pré-históricos de lince-ibérico mais recentes, os da Catalunha e do Algarve, têm mais variantes genéticas procedentes do lince euroasiático do que o de Andújar.

Há milhares de anos, a distribuição do lince-ibérico terá chegado até ao Sul de França e à Itália. Por seu lado, o lince boreal chegou a habitar até muito recentemente o Norte da Península Ibérica, criando oportunidades para a troca genética entre as duas espécies. O fluxo genético do lince euroasiático para o lince-ibérico ter-se-á extendido posteriormente a todas as populações modernas.

Resgate genético

A diversidade genética de uma espécie é fundamental para a sua adaptação a mudanças no seu ambiente. Ainda assim, a do lince-ibérico chegou a ser uma das mais baixas do mundo.

A espécie registou um grave declínio durante o século XX que deixou apenas cerca de 100 animais divididos em duas pequenas populações separadas entre si.

Perante esta situação, decidiu-se misturar as duas populações de Andújar e Doñana, bem distintas geneticamente.

“O benefício imediato é que evitamos a consanguinidade que se tinha acumulado nas duas populações pequenas ao permitir cruzamentos entre indivíduos que não eram aparentados entre si”, explicou José Antonio Godoy, investigador da Estación Biológica de Doñana.

“Segundo os nossos dados parece que os ‘híbridos’ das duas populações têm maior êxito reprodutor e, possivelmente, maior esperanças de sobrevivência. Ao mesmo tempo, também aumenta a diversidade genética disponível para a adaptação a alterações ambientais.”

Apesar do êxito da recuperação da espécie durante as primeiras décadas do século XXI, a população de lince-ibérico ainda não tem um tamanho mínimo que garanta uma diversidade genética aceitável para o futuro.

De acordo com dados recentes, a equipa calculou que são precisos, pelo menos, 1100 fêmeas reprodutoras. O censo de 2022 registou 326.

Além disso, é imprescindível aumentar o número de sub-populações e fomentar a ligação entre elas para permitir trocas genéticas.

O projecto LIFE-Lynxconnect, financiado pela Comissão Europeia, tem precisamente como objectivo conseguir que a população de lince-ibérico seja auto-sustentável e viável geneticamente a longo prazo, através da ligação dos diferentes núcleos de população e da criação de dois novos núcleos.

E poderá ser a hibridação com outras espécies uma solução perante a escassa diversidade genética de espécies ameaçadas? Esta opção pode trazer grandes riscos. “Em geral é de esperar que a maioria dos genes que entram numa espécie procedente de outras tenha consequências negativas e que sejam eliminados com o tempo por uma selecção natural, mas alguns podem restaurar variantes funcionais perdidas ou ainda permitir a adaptação a novas condições ambientais”, comentou José Antonio Godoy. “Ainda assim, ainda não sabemos que consequências teve a hibridação passada no lince-ibérico e muito menos podemos prever as consequências de uma futura hibridação natural ou intencional”, advertiu. São necessárias mais investigações neste campo.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.