Águia-caçadeira. Foto: Carlos Pacheco

No limiar da extinção: há menos de 200 casais de águia-caçadeira em Portugal

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Outrora comum, a águia-caçadeira está agora reduzida a menos de 200 casais, alertou hoje o primeiro censo nacional desta espécie. Só medidas de emergência eficazes de conservação podem travar a sua extinção, alertam os investigadores.

Pela segunda vez este ano, a comunidade científica alerta para o risco iminente de extinção de uma ave em Portugal.

Depois do alerta para a situação dramática do sisão (Tetrax tetrax), em Junho passado, surgem agora evidências de que também a águia-caçadeira (Circus pygargus), também conhecida como tartaranhão-caçador, está no limiar da extinção, segundo os resultados do 1º Censo Nacional da Águia-caçadeira.

Águia-caçadeira. Foto: Carlos Pacheco

Em 2022 e 2023 a população portuguesa da águia-caçadeira foi estimada em 119-207 casais, segundo o censo que decorreu entre Abril e Julho por todo o país.

Os cinco distritos com mais casais desta espécie são Bragança (entre 45 e 50 casais), Beja (35 a 55), Portalegre (16 a 20), Guarda (5 a 19) e Vila Real (4 a 18).

“As estimativas anteriores mais recentes, de 2012, apontavam para uma população de 500 a 1000 casais”, referiu, em comunicado, João Gameiro, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO), da Universidade do Porto, e coordenador nacional do censo. “Estas estimativas são grosseiras, mas a espécie era de facto muito mais abundante, sobretudo nas planícies agrícolas alentejanas.”

“Estamos perante um declínio muito acentuado, de 76 a 79% em apenas 10 anos (2012 a 2022-23), o que prova que a espécie se encontra a caminho da extinção caso não sejam implementadas medidas de emergência eficazes de conservação”, defendeu João Paulo Silva, também investigador do BIOPOLIS-CIBIO e coordenador sénior do projeto. “Este declínio é alarmante e está fortemente ligado às alterações nas práticas e políticas agrícolas em Portugal, como aliás já tem sido demonstrado para outras espécies de aves agrícolas prioritárias, como o sisão.” 

Comparação da distribuição actual com ATLAS anteriores

Outrora comum nas paisagens agrícolas portuguesas, esta espécie de ave de rapina forma pequenas colónias e faz os ninhos no solo, sobretudo em campos de cereais. Está, portanto, dependente das práticas agrícolas.

“A substituição de cereais para grão por fenos para alimentar o gado resulta em ações de corte da cultura muito mais antecipadas, colocando em risco os ninhos”, explicou ainda.

Segundo o censo, é no Alentejo que se verificam os declínios mais acentuados, em comparação com os ATLAS de distribuição anteriores.

“Mesmo na zona de Trás-os-Montes é evidente a contração e fragmentação da população”, acrescentou Luís Ribeiro, técnico superior da Palombar. “Monitorizámos colónias grandes em 2022 que simplesmente desapareceram em 2023. Se morreram durante as ações de corte de fenos, ou se se deslocaram para outras áreas, como Espanha, é algo que ainda temos de aferir”.

“O forte declínio e contração da distribuição, associado à perda de habitat e destruição de ninhos, ameaça que ainda não foi revertida, coloca a espécie na categoria de conservação mais grave de Criticamente em Perigo”, alertou José Pereira, presidente da Palombar. 

Os técnicos e investigadores pedem “medidas urgentes para a salvaguarda da espécie” como por exemplo “a disponibilização e proteção de searas para grão, que corresponde ao seu habitat de nidificação mais importante”.

O censo nacional da águia-caçadeira, que envolveu mais de 15 entidades e cerca de 200 observadores, é da iniciativa do projecto “Searas com Biodiversidade: Salvemos a Águia-caçadeira”, uma parceria entre o BIOPOLIS-CIBIO, a Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, o Clube de Produtores Continente e a Associação Nacional de Produtores de Cereais (ANPOC), que pretende apostar na valorização das searas em Portugal. Teve como objectivo “gerar conhecimento de base para um projeto nacional de conservação da espécie, identificando os locais onde persiste e quantificando a sua abundância”. foi organizado o primeiro censo nacional que envolveu mais de . O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) contribuiu com mais de 100 técnicos/observadores, ajudando assim a cobrir a quase totalidade do habitat potencial para a espécie no território nacional. 


Saiba mais.

Conheça aqui um projecto para conservar ninhos de tartaranhão-caçador em Castro Verdedesenvolvido pela Direcção Regional de Conservação da Natureza e Florestas do Alentejo, do ICNF, e pelo BIOPOLIS-CIBIO.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.