Retrato de um voluntário pela natureza: Carlos Santos

Foto: António Monteiro

Para este técnico do ICNF de 50 anos que reside em Mogadouro, Bragança, o esforço de acordar antes do nascer do sol para participar nos censos de aves é “amplamente recompensado” com a experiência de “estar no campo a ouvir a diversidade” dos seus cantos e a “observá-las no seu ambiente natural”.

 

WILDER: O que faz enquanto voluntário?

Carlos Santos: Participo em ações e projetos que visam contribuir para a proteção da natureza, seja através de ações de monitorização ou de ações de sensibilização ambiental. Nos últimos anos, tenho realizado apenas o Censo das Aves Comuns (CAC), que já faço há 18 anos, e as Contagens de Aves no Natal e Ano Novo (CANAN), que faço há oito anos.

Tenho também participado em muitos outros censos de aves, mas estes integrados nas minhas funções como técnico do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), pelo que a sua realização já não é feita em regime de voluntariado.

 

W: Há quanto tempo é voluntário pela natureza e o que o levou a começar a participar?

Carlos Santos: Faço voluntariado ambiental desde o tempo em que estudava Biologia na Faculdade de Ciências de Lisboa, no início dos anos 90. O que me levou a participar foi, por um lado, a necessidade de complementar os meus conhecimentos sobre a natureza e, por outro, poder contribuir para a sua conservação.

 

W: Quais são os maiores desafios dos censos de aves em que tem participado?

Carlos Santos: Na minha opinião, os censos de aves têm dois desafios principais: a identificação das espécies e a necessidade de acordar muito cedo.

A identificação das espécies é o principal desafio para quem quer começa a observar aves. O número de espécies – residentes, invernantes e migradoras – que ocorre em Portugal é elevado e, embora algumas sejam facilmente distinguíveis, outras nem tanto, sendo necessário estudar bem as características de cada espécie em comparação com outras espécies semelhantes.

Além das características físicas, também é importante estar atento aos sons que fazem, ao seu comportamento e ao local onde se encontram, porque todos estes dados contribuem para uma identificação mais segura da espécie. Hoje, na Internet, já existem numerosos sites que disponibilizam fotos, vídeos e ficheiros de áudio, assim como dicas sobre a distinção entre espécies semelhantes, seja através das suas características físicas, seja pelos sons emitidos.

Em segundo lugar, a realização dos censos implica frequentemente que os mesmos sejam iniciados às primeiras horas da manhã, quando a maioria das aves estão mais ativas.

O esforço de acordar antes do nascer do sol condiciona a participação de muitas pessoas, mas é amplamente recompensado com a experiência de estar no campo a ouvir a diversidade de cantos das aves e poder observá-las no seu ambiente natural.

 

W: Quando começou o seu interesse pelas aves?

Carlos Santos: Desde pequeno que tenho algum interesse, pelo facto de o meu pai gostar de as ver e conhecer, mas também de as capturar. No entanto, apenas durante o meu tempo de faculdade se desenvolveu de forma significativa esse interesse, através do contacto com colegas que já faziam observação de aves.

O meu trabalho final de curso foi sobre as alterações das comunidades de aves decorrentes do abandono dos campos cerealíferos do Alentejo, o que me obrigou a dedicar-me à identificação e conhecimento das aves em geral e em particular das espécies dessa região.

 

W: Porque considera as aves tão especiais?

Carlos Santos: As aves são animais maioritariamente diurnos, com formas e colorações muito diversas. São por isso atrativas e fáceis de observar, sendo natural que chamem a atenção de qualquer pessoa.

São também importantes elos na cadeia trófica, quer como presas quer como predadores, com uma grande relevância no funcionamento dos ecossistemas.

Muitas destas espécies funcionam como indicadores da qualidade dos habitats naturais e da integridade dos ecossistemas, pelo que a sua monitorização permite conhecer o estado de conservação destes. O meu interesse nas aves é por isso afetivo e científico.

 

W: Como aprendeu a identificar estas espécies?

Carlos Santos: Comecei a aprender com colegas e amigos em saídas de campo. Depois, tive de pegar nos guias de identificação e comecei por mim próprio a tentar identificar as aves que observava, confirmando essa identificação numa saída seguinte com alguém mais experiente.

Também comecei a identificar os cantos das aves com a ajuda de uma coleção de CDs que continham os cantos de todas as espécies da Europa, que me serviam para confirmar a identificação de cantos que tinha ouvido no campo, ou para procurar ouvir o canto de espécies em particular que me interessava encontrar.

 

W: O que tem aprendido e o que tem ganhado com esta experiência de voluntariado?

Carlos Santos: Com as ações de voluntariado que tenho realizado, sinto satisfação por saber que estou a contribuir para a conservação das aves e da natureza em geral.

Estas ações também me obrigam a ir para o campo, garantindo que, mesmo com muitas ocupações, há sempre um tempo disponível para ir observar aves. Para além disso, mantenho-me atualizado com as identificações das aves, seja pela observação ou pela audição das mesmas. Cada censo é diferente e, mesmo que seja repetido várias vezes, a experiência é sempre diferente.

 

W: Costuma participar nos censos sozinho, acompanhado ou em grupo?

Carlos Santos: Na maioria das vezes sozinho, mas sempre que há oportunidade para ter companhia, é sempre bem-vinda. Por exemplo, o Censo das Aves Comuns, que já realizo há 18 anos, faço sempre sozinho e é importante mantê-lo desta maneira para que os dados sejam comparáveis ao longo dos vários anos. Já o CANAN, faço sempre com a minha mulher.

 


Agora é a sua vez.

Descubra sobre como participar no Censo de Aves Comuns e noutros censos de aves coordenados pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).

 


Conte as Aves que Contam Consigo

A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.