Macho de tritão-de-ventre-laranja. Foto: Javier Lobón-Rovira

Tritão-de-ventre-laranja poderá desaparecer da Serra da Estrela em 10 anos

A recuperação das populações desta espécie, afectadas por um vírus agressivo que causa a morte em massa de anfíbios, pode ser mais difícil do que se pensava, descobriu uma equipa de investigadores.

Há cerca de 10 anos que a estirpe agressiva de ranavírus tem causado a morte de anfíbios na Serra da Estrela. Uma das principais vítimas é o tritão-de-ventre-laranja (Lissotriton boscai).

Desde 2009, uma equipa de biólogos está no terreno a monitorizar os anfíbios da Serra da Estrela e a tentar encontrar formas de os ajudar.

Mas, num artigo científico publicado agora na revista Animal Conservation, estes investigadores alertam que a recuperação destas populações pode ser mais difícil do que inicialmente se pensava.

“Os resultados dos modelos que desenvolvemos para os próximos 20 anos revelam que as populações desta espécie na Estrela podem ficar em risco de extinção no espaço de dez anos, caso o vírus não seja mitigado”, explica em comunicado Gonçalo M. Rosa, investigador de pós-doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, naFaculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e primeiro autor do estudo.

E há duas razões de peso: ainda não existe tratamento conhecido para este vírus e o número de fêmeas tem vindo a diminuir drasticamente.

Em várias populações da Serra da Estrela, enquanto os machos abandonam os charcos após a época de reprodução, um grande número de fêmeas permanece no habitat aquático durante todo o ano. Esta dinâmica tem conduzido a uma mortalidade bastante mais acentuada entre as fêmeas desta espécie (cerca de 90%), uma vez que o ranavírus se encontra na água.
 
Este comportamento diferente de machos e fêmeas pode afetar indiretamente a dinâmica da doença, ao levar à redução significativa do número de fêmeas na população e a uma reversão da proporção entre os dois sexos, acreditam os investigadores.

“Os modelos revelam que a recuperação destas populações, quando possível, é severamente condicionada por esta mortalidade direcionada às fêmeas a médio e longo prazo”, acrescenta Gonçalo M. Rosa, biólogo que lidera o trabalho de monitorização dos anfíbios da Serra da Estrela.

Para chegar a esta conclusão, os investigadores acompanharam durante cinco anos as populações de tritões-de-ventre-laranja em dois charcos da Serra da Estrela – em Folgosinho, onde os surtos anuais e episódios de mortalidade em massa continuam até hoje, e em Sazes, onde apenas são registados episódios pontuais de infeção sem mortalidade.

Com estes dados desenvolveram projeções para as populações para os próximos 20 anos, sob diferentes cenários: considerando surtos anuais que poderiam durar cinco, 10 ou 20 anos, e avaliando qual o impacto na recuperação da população, tanto com uma maior mortalidade entre as fêmeas ou com igual mortalidade entre ambos os sexos.
 
“Os nossos resultados indicam que caso haja um cessar dos surtos, quer por ação de mitigação do vírus ou qualquer outra razão ambiental, isso não implica uma recuperação imediata da população. A recuperação, a ser possível, será mais complexa do que inicialmente se pensava”, explica Gonçalo M. Rosa, investigador também no Instituto Zoológico de Londres (Reino Unido).

Embora não exista ainda tratamento conhecido para a doença, têm vindo a ser testadas diferentes formas de minimizar os impactos deste vírus em populações selvagens.

Este ranavírus, que causa hemorragias na pele e úlceras, é “altamente virulento em múltiplas espécies e estágios de vida, e a diferentes altitudes”.

“Os vírus do género Ranavirus encontram-se um pouco por todo o mundo, sendo capazes de infetar vários grupos de animais, desde peixes a répteis e anfíbios. Mas diferentes estirpes têm diferentes graus de virulência, e aquele que circula na Serra da Estrela pertence a um grupo hiper-virulento chamado CMTV-Ranavirus”, explicaram, anteriormente, estes investigadores.

Estes vírus estão a expandir-se na Península Ibérica, que alberga grande parte da biodiversidade de anfíbios da Europa, incluindo várias espécies endémicas.


Recorde o tritão-de-ventre-laranja que o leitor João Nunes encontrou na Serra d’Arga, em Caminha, em Novembro de 2017.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.