Aves marinhas super-estrelas da migração

Paulo Catry, investigador do MARE – ISPA com uma paixão especial por aves marinhas, escolhe as espécies com as migrações mais espectaculares. Uma escolha difícil.

“Entre as aves marinhas com as migrações mais espetaculares a escolha é difícil. Há tantas com movimentos espantosos ao longo do ciclo anual”, adverte Paulo Catry.

Este investigador participou no estudo mundial publicado hoje na revista Science Advances, segundo o qual as aves marinhas passam 39% do seu tempo em alto-mar.

“Entre as espécies que estudámos neste artigo contam-se, por exemplo, espécies de albatrozes e pardelões que podem fazer a circum-navegação do planeta, no oceano austral, entre duas épocas reprodutoras.”

O exemplo de ave marinha mais falado, em geral, é o icónico garajau-do-ártico Sterna paradisea.

Garajau-do-Ártico. Foto: Voyageur74/WikiCommons

“Recentemente, comprovou-se que aves da população que nidifica na Holanda (não existem só no Ártico) podem chegar às imediações da Nova Zelândia, que fica precisamente nos antípodas dos Países Baixos. Ou seja, migram literalmente de uma ponta à outra do globo terrestre. Como eu gosto de dizer: o planeta Terra é estreito para aves com esta capacidade de deslocação!” 

Em Portugal, não faltam espécies migradoras fantásticas.

“Há sempre tanto por onde escolher. As nossas familiares cagarras são sempre inspiradoras. Temos seguido os seus movimentos e fazem grandes migrações até à África do Sul, chegam a penetrar no Índico até próximo de Madagáscar.”

Nos Açores, se formos para o mar-alto, podemos observar alcaides (Stercorarius maccormicki) nascidos na Antártida que ali passam regularmente.

Alcaide. Foto: Dominic Sherony/WikiCommons

“E vindos também da Antártida temos ao longo das nossas costas (mas não visíveis de terra), no Verão, abundantes painhos-casquilhos (Oceanites oceanicus), aves minúsculas que cabem numa mão mas que, apesar disso, percorrem o Atlântico de uma ponta à outra.”

Painho-casquilho. Foto: JJ Harrison/WikiCommons

“E as freiras-do-bugio (Pterodroma deserta), que estudámos recentemente, e que podem numa simples viagem de alimentação, a partir do ninho nas ilhas Desertas (Madeira), chegar às águas do Canadá?”

Paulo Catry poderia ainda apontar muitos exemplos mais. “Ou falar longamente das proezas de cada uma destas espécies que acabei de referir, pois levam vidas fascinantes”.

Neste momento, já há aves marinhas em migração.

“As primeiríssimas cagarras (ou cagarros) Calonectris borealis estão neste preciso momento a chegar às colónias reprodutoras nas Selvagens, Madeira, Açores e Berlenga.”

“Nesta altura do ano gosto muito de ir a promontórios como o Cabo Raso (Cascais), pois é fácil observar uma forte e fantástica passagem de grandes bandos de alcatrazes Morus bassanus, vindos sobretudo da Mauritânia e dirigindo-se para as colónias do norte da Europa. A passagem orientada e sistemática dos alcatrazes é talvez a migração de aves em movimento mais visível no território português.”

E o que podemos fazer para proteger estes grandes migradores?

“As três maiores ameaças para as aves marinhas são, de uma forma geral, a mortalidade acidental em artes de pesca, as espécies exóticas introduzidas em ilhas com colónias reprodutoras (como ratos e gatos) e, mais a prazo, as alterações climáticas.”

A boa notícia é que “existem cada vez mais técnicas que permitem mitigar as capturas nas pescarias humanas, mas é preciso convencer e ajudar os pescadores a implementá-las”.

Para a segunda ameaça, “os programas de controle e erradicação das espécies invasoras são essenciais”.

“Sobre as alterações climáticas, todos sabemos o que é preciso fazer, falta fazer mesmo com mais convicção!”


Saiba mais.

Descubra aqui os resultados do estudo agora publicado sobre as migrações das aves marinhas nos oceanos do planeta.

E conheça um pouco do trabalho de Maria Dias, a bióloga portuguesa coordenadora científica marinha da Birdlife International.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.