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O que procurar na Primavera: o sabugueiro

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Numa das minhas mais recentes caminhadas ao ar livre, percebi que o sabugueiro (Sambucus nigra) já está em flor e com um aroma muito característico. As flores do sabugueiro são muito atrativas para os insectos polinizadores mas se para alguns o sabugueiro é uma fonte de alimento para muitos é uma farmácia viva.

O sabugueiro

O sabugueiro, da família Adoxaceae, tem um vasto leque de denominações vulgares e também é conhecido como sabugueiro-preto, sabugueiro-negro, sabugo, candeleiro, bieitiero, galacrista, rosa-de-bem-fazer, canineiro e flor-de-sabugueiro.

Foto: Willow/WikiCommons

É uma planta lenhosa, com porte arbustivo ou arbóreo, muito ramificado a partir da base, e que pode atingir dois a cinco metros de altura, por vezes até 10 metros de altura. Forma uma copa mais ou menos densa e arredondada. Os ramos do sabugueiro são acinzentados, possuem uma medula esbranquiçada e esponjosa, o que os torna bastante quebradiços e frágeis.

O sabugueiro é uma espécie caducifólia, ou seja, perde as folhas durante o inverno. As folhas são grandes, compostas e imparipinuladas, com 5 a 7 folíolos compridos. Cada folíolo possui margem serrada, forma elíptica, ápice pontiagudo e é pubescente na página inferior.

A floração do sabugueiro ocorre de março a junho. As flores são pequenas, numerosas, perfumadas, branco-amareladas ou creme, hermafroditas (masculinas e femininas), actinomórficas (com simetria radial) e pentâmeras (as peças florais apresentam-se em conjuntos de cinco ou em múltiplos de cinco). Todas as flores têm 5 pétalas, 5 sépalas e 5 estames. Encontram-se reunidas em grandes corimbos – inflorescências na qual as hastes florais partem de pontos diversos, mas alcançam mais ou menos a mesma altura.

Foto: Agnieszka Kwiecień/WikiCommons

O fruto é uma baga globosa, carnuda e sumarenta. É verde na fase inicial de formação e preto-violácea e lustrosa quando madura. Os frutos surgem agrupados em infrutescências pendentes e são comestíveis, unicamente quando maduros, tendo 3 a 5 sementes cada. A maturação dos frutos ocorre no final do verão e ao longo do outono.

Mais-valia ecológica

Comum em bosques, margens dos campos e linhas de água, matas e em terrenos baldios, o sabugueiro é uma espécie nativa da Europa – excepto do extremo norte – e de parte da Ásia ocidental. Em Portugal, é espontâneo em todo o território continental, sendo mais raro na região sul. Também está presente no arquipélago da Madeira e dos Açores, onde foi introduzido.

O sabugueiro aprecia locais sombrios, húmidos, de meia-luz, solos férteis, de preferência profundos e frescos, tanto ácidos como alcalinos. No entanto, é capaz de tolerar locais quentes, com exposição solar plena e solos secos. É bastante tolerante à poluição atmosférica.

Foto: AnRo0002/WikiCommons

É uma espécie de rápido crescimento, de fácil adaptação a uma ampla variedade de habitats, tanto em zonas rurais quanto urbanas, no entanto tem uma vida curta. O sabugueiro atinge a maturidade por volta dos 3 a 5 anos e vive até aos 50 anos, raramente mais.

O sabugueiro é muito importante do ponto de vista ecológico. As suas flores são bastante atrativas para os insetos polinizadores, as abelhas em particular. As suas bagas são uma importante fonte de alimento para as aves, em especial para melros e tordos, que também ajudam na dispersão das sementes. 

Robusto e com grande capacidade de regeneração a partir da base, é também uma boa planta pioneira no restabelecimento de áreas florestais.

É uma planta frequentemente cultivada junto a habitações ou áreas agrícolas, mantendo sempre um estado mais silvestre, sendo pouco comum em jardins. No entanto a sua beleza ao longo de todo o ano, primeiro devido às suas flores aromáticas na primavera e, depois, pelos frutos violáceos e lustrosos no outono, tornam-no uma planta com um potencial ornamental muito grande. 

No entanto, a sua localização num jardim ou espaço verde deve ser cuidada, uma vez que as flores, frutos e folhas são tóxicas, além de, ocasionalmente, poderem causar reações alérgicas.

Uma farmácia viva

O sabugueiro tem sido usado tradicionalmente para diversos fins, nomeadamente na medicina, culinária, cosmética, perfumaria e tinturaria, sendo muito popular desde os povos pré-históricos, gregos e romanos.

Os frutos, ricos em vitamina C, são comestíveis, quando maduros, preferencialmente depois de cozidos, uma vez que o processo de cozimento destruirá o efeito da sambunigrina – um alcaloide levemente tóxico, e depois de retiradas as sementes.

As bagas combinam com a preparação de guisados, pastéis, bolos e tortas e outros produtos de panificação. São também utilizadas em compotas, geleias, gelatinas e em xaropes, licores, vinhos e chás.

Antigamente, os frutos eram muito usados para “adulterar” a cor dos vinhos. Os agricultores utilizavam as bagas de sabugueiro para dar cor a vinhos mais fracos que eram depois vendidos como “vinho do Porto”. Esta aplicação indevida levou a que Marquês de Pombal proibisse o seu cultivo na tentativa de acabar com as adulterações. Hoje em dia, alguns produtores de vinho usam as flores de sabugueiro para dar gosto de moscatel ao vinho comum.

Do ponto de vista medicinal, o sabugueiro é uma das plantas com mais aplicação na medicina, fazendo parte de diversos preparados farmacêuticos. É considerado por muitos, uma farmácia viva. Dele, tudo pode ser usado, desde a casca, folhas e flores aos frutos e até as raízes.

Foto: Bjorn S./WikiCommons

Possui propriedades diuréticas, anti-inflamatórias, expectorantes e sudoríferas. As flores, uma das partes mais usadas, podem ser utilizadas, sob a forma de infusão, no tratamento de situações gripais e outras afecções das vias respiratórias. Alguns autores recomendam a inalação de vapores desta infusão para o tratamento de otites e sinusites. Topicamente são usadas no tratamento de feridas e queimaduras.

As bagas são usadas no tratamento de doenças crónicas devido às suas propriedades antioxidantes. Também são usadas como um impulsionador imunológico, talvez pela presença de antocianinas – compostos químicos que são conhecidos por terem efeitos imunoestimulantes. 

O sabugueiro é também usado no tratamento de diabetes. Algumas pesquisas mostraram que os extratos de flor de sabugueiro estimulam o metabolismo da glicose e a secreção de insulina, reduzindo os níveis de açúcar no sangue.

Atualmente, na região do Douro – em especial nos concelhos de Tarouca, Lamego, Tabuaço e Moimenta da Beira – existem extensas áreas de produção de baga de sabugueiro, sob a denominação “Baga do Varosa”, uma importante fonte de rendimento para os agricultores locais. Nas últimas décadas o fruto do sabugueiro tem sido exportado para a Alemanha, sobretudo para as indústrias cosmética, farmacêutica e alimentar.

As sambucas e as lendas

Os ramos ocos e cheios de medula, que facilmente é removida do interior, eram usados para fazer instrumentos musicais. A designação científica da espécie deriva precisamente dessa aplicação. O nome do género Sambucus tem origem no grego Sambuke, que significa sambuca – um instrumento musical semelhante a uma flauta que era fabricado com os ramos do sabugueiro. Alguns autores referem que as sambucas foram originalmente instrumentos musicais de cordas. O restritivo específico nigra deriva do latim niger = preto, referindo-se à cor dos frutos.

Foto: Willow/WikiCommons

Envolta de lendas, existem registos históricos que referem que a Cruz do Calvário foi feita de madeira de sabugueiro e por esse motivo, acreditava-se que cortar um tronco desta árvore dava azar. Existe ainda um outro mito antigo de que o sabugueiro mantém as bruxas afastadas.

As folhas podem ser utilizadas como repelente de insetos.

Sabugueiro endémico do Arquipélago da Madeira

Além do sabugueiro (Sambucus nigra) existem na flora nativa portuguesa outras duas espécies do género Sambucus.

A primeira é o sabugueiro-anão (Sambucus ebulus), também conhecido como sabugueirinho ou ébulo. É uma planta herbácea, vivaz, que pode crescer até 1 a 2 metros de altura. Possui caules eretos, raramente ramificados, o que permite a distinção em relação ao seu congénere próximo. É uma planta rara e, em Portugal, pode ser encontrada nas regiões de Trás-os-Montes, Beira Alta, Alto Alentejo e Algarve, preferencialmente em zonas ripícolas, margens de caminhos, prados e bosques húmidos, em solos profundos, argilosos ou calcários.

A outra é o sabugueiro-madeirense (Sambucus lanceolata), também conhecido nas Ilhas como sabugueiro ou sabugueiro-da-madeira, por ser uma espécie endémica do Arquipélago da Madeira.

É uma espécie arbustiva ou pequena árvore, de folhagem caduca, muito semelhante ao sabugueiro (Sambucus nigra). É uma planta rara, característica da floresta Laurissilva, com uma localização próxima das linhas de água. Também pode encontrar-se em jardins particulares nas zonas mais altas da Madeira.

E para os apreciadores dos filmes e livros de Harry Potter, a varinha mais poderosa, conhecida como a varinha das varinhas, era feita de sabugueiro.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Imparipinulada – folha composta por vários folíolos e que termina em número impar.

Folíolo – cada uma das partes em que o limbo, de uma folha composta ou recomposta, se divide. 

Limbo – parte larga de uma folha.

Elíptica – folha com forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura. 

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames). 

Actinomorfa – flor com simetria radial, ou seja a flor pode ser dividida em várias partes iguais. 

Pentâmera – as peças florais apresentam-se em conjuntos de cinco ou em múltiplos de cinco.

Infrutescência – reunião de frutos provenientes de flores dispostas em inflorescências.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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