Foto: Sofia Teixeira

Retrato de um voluntário pela natureza: Célia Gomes

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Para esta bióloga de 40 anos, residente na área metropolitana do Porto, a identificação das diferentes espécies “começou como um jogo enquanto crescia”. “Com o passar dos anos tornou-se um bocadinho mais sério, mas nunca deixou de ser divertido.”

WILDER: O que faz enquanto voluntária?

Célia Gomes: Sou participante do GTAN – Grupo de Trabalho em Aves Noturnas da SPEA, onde colaboro na realização dos censos de aves noturnas (mochos, corujas, noitibós e alcaravão), através do Programa – NOCTUA Portugal. 

W: Há quanto tempo é voluntária pela natureza e o que a levou a começar a participar?

Célia Gomes: Nos censos deste programa (NOCTUA) participo desde a época de 2010/2011, ou seja, desde o segundo ano em que tiveram início, uma vez que começaram em 2009/2010.

Espero poder continuar a realizar esta amostragem e assim contribuir, juntamente com todos os outros voluntários, para aumentar o conhecimento no nosso país sobre este fascinante grupo de aves. Anteriormente, participei também nalgumas ações isoladas de voluntariado ligado à proteção ambiental, ações essas nem sempre diretamente relacionadas com as aves.

W: Quais são os maiores desafios dos censos de aves em que tem participado?

Célia Gomes: Nestes censos, o maior desafio ocorreu durante o período de pandemia por que todos nós passámos (ou ainda estamos a passar). Foi manter as saídas de campo e aceitar que algumas amostragens infelizmente não puderam ser realizadas. Neste período, desde o início do voluntariado até hoje, esse terá sido – um pouco como reflexo de tudo o resto que tivemos de repensar – o desafio mais complicado.

W: Quando começou o seu interesse pelas aves?

Célia Gomes: É um interesse que me acompanha desde sempre, não só pelas aves mas também pelos restantes grupos de fauna. Sempre adorei estar em contacto com a Natureza e felizmente tive essa oportunidade enquanto criança. A casa dos meus avós, que eu frequentava diariamente, estava rodeada por bosques e campos, e sempre tive liberdade para explorar essas áreas. A identificação das diferentes espécies começou como um jogo enquanto crescia e, com o passar dos anos e pelas escolhas de estudo e profissionais, tornou-se um bocadinho mais sério; nunca deixando, no entanto, de ser divertido! Tenho a certeza de que vai ser um interesse que me vai acompanhar a vida toda.

W: Porque considera as aves tão especiais?

Célia Gomes: São fascinantes por tantos motivos, desde logo pelo facto de voarem (excluindo algumas espécies, também elas muito interessantes), o que eu sempre a associei ao conceito de liberdade. Tenho também de referir, como um dos motivos deste meu carinho pelas aves, a grande panóplia de cantos e chamamentos das diferentes espécies – muitos deles enraizados e entrelaçados nos conhecimentos populares e, por isso, nas nossas lembranças antropológicas e culturais.

Por exemplo, o “cantar” da coruja, interpretado como um sinal de má sorte para quem o ouve, é apenas um reflexo do peso e significância atribuídos, desde tempos remotos, a estas aves. É nas raízes da cultura popular portuguesa que esse conhecimento sobre as rapinas noturnas é mantido e preservado. O portal Stri – Rapinas Nocturnas de Portugal, do qual também sou colaboradora, disponibiliza uma recolha dessas mesmas histórias, contos e adágios. 

W: Como aprendeu a identificar as aves que fazem parte do censo do NOCTUA Portugal?

Célia Gomes: Estas espécies são mais frequentemente ouvidas do que observadas, podemos dizer que é uma das particularidades das aves de comportamento noturno. Conhecer as vocalizações, cantos e chamamentos é muito importante para proceder à identificação das diferentes aves. Por isso, quando comecei a desenvolver interesse por estas espécies, especificamente pelas rapinas noturnas, comecei por ouvir ficheiros de som com as vocalizações e assim aprender a associar essas mesmas vocalizações às espécies que poderia encontrar no campo. Claro que as podemos observar, mas nos censos do NOCTUA a metodologia baseia-se na identificação das vocalizações das diferentes aves.

W: O que tem aprendido e o que tem ganhado com esta experiência de voluntariado? 

Célia Gomes: Qualquer experiência de voluntariado, seja de cariz ambiental ou não, permite-nos desenvolver novas apetências sociais e aumentar os nossos conhecimentos. No caso deste voluntariado direcionado para as aves noturnas, penso que qualquer pessoa que participe, ou tenha participado nos censos, sente uma grande gratificação por ajudar a melhor conhecer estas espécies, a sua distribuição e tendências populacionais, e a contribuir para que esse conhecimento seja divulgado pela equipa coordenadora do GTAN (Rui Lourenço, Inês Roque e Ricardo Tomé), que tem compilado e elaborado os relatórios anuais.

W: Costuma participar nos censos sozinha, acompanhada ou em grupo? E porquê?

Célia Gomes: Estes censos costumo realizá-los acompanhada, não só por uma questão de segurança, mas principalmente porque é interessante partilhar a experiência com amigos ou familiares. E como se realizam após o pôr do sol e com espécies com que nem sempre, para quem não é da área, as pessoas têm contacto, as reações costumam ser muito positivas. Só para dar um exemplo, o canto de coruja-do-mato (Strix aluco), quando ouvido pela primeira vez no campo, não deixa ninguém indiferente: noite, silêncio e, por momentos, a quebra desse mesmo silêncio noturno pelo canto desta coruja.

Ouça o canto da coruja-do-mato:

[Som recolhido por António Xeira, disponível no portal xeno-canto]

Agora é a sua vez.

Descubra sobre como participar no censo do programa NOCTUA Portugal e noutros censos de aves coordenados pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).


Saiba mais.

Recorde os resultados do último censo do Programa Noctua, publicados numa notícia da Wilder, e fique a conhecer os sons de seis aves que pode ouvir durante a noite, em Portugal.


Conte as Aves que Contam Consigo

A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.