Foto: W.carter/Wiki Commons

Sanguinária-do-japão: Sem saber, podemos estar a ajudar esta terrível invasora

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No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, Elizabete Marchante, investigadora no CFE – Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, e Hélia Marchante, investigadora no CFE e professora na Escola Superior Agrária de Coimbra, apresentam-nos esta planta verde que passa completamente despercebida, mesmo à nossa frente.

 

Que espécie é esta?

Há plantas que beneficiam muito da chamada “cegueira vegetal” e a sanguinária-do-japão (Fallopia japonica ou Reynoutria japonica) é definitivamente uma delas. Muitos cidadãos não a reconhecem: não a “veem” no meio dos “outros verdes” e, como tal, não se apercebem de que estão a observar uma planta invasora.

A sanguinária-do-japão é uma planta vivaz de folhas grandes, verdes como tantas outras, fazendo lembrar a forma de uma pequena pá. Mas os caules são pintalgados de vermelho enquanto jovens e apresentam um ligeiro zig-zag, mais acentuado nas extremidades dos caules, o que pode ajudar no seu reconhecimento. No seu máximo desenvolvimento a planta pode atingir até cerca de três metros – tanto os caules em altura como as raízes e rizomas em profundidade. Os caules passam a assemelhar-se a canas finas, com os nós muito bem marcados, mantendo um muito ligeiro zig-zag. As flores são brancas, miudinhas e surgem no verão, destacando-se normalmente na parte superior da folhagem.

Aspeto do caule e folhas onde se observa o característico zig-zag nas partes terminais. Foto: Elizabete&HeliaMarchante
Aspeto da floração. Foto: Elizabete&HeliaMarchante

Como é que se reproduz?

É uma espécie curiosa do ponto de vista da sua reprodução. É ginodióica, ou seja, algumas plantas apresentam flores hermafroditas – tendo ovários e sendo ao mesmo tempo dadoras de pólen – e outras plantas apresentam apenas flores femininas, apenas com ovários e, portanto, dependentes de outros indivíduos que lhes forneçam pólen para produzir semente.

A frutificação desta invasora acontece principalmente através da polinização com plantas hermafroditas, sendo que na Europa estão descritas principalmente plantas femininas. Em Portugal já foram encontrados frutos, com sementes viáveis, pelo que se coloca a hipótese de termos também plantas hermafroditas. No entanto, vários híbridos estão presentes, muito semelhantes (por exemplo, Fallopia x bohemica), o que tem complicado a confirmação do tipo de plantas que estão presentes. Para os fins deste texto, vamos tratá-los a todos como sanguinária-do-japão.

Esta complexidade do sistema de reprodução sexuada não limita minimamente a sua multiplicação, já que se reproduz também de forma vegetativa: pequenos fragmentos, de caules aéreos ou partes subterrâneas, podem dar novas plantas muito facilmente.

Como é que a podemos identificar?

Aspeto do interior de uma área com plantas adultas de sanguinária-do-japão onde se observam os caules cilíndricos, em forma de cana, com um ténue zig-zag em alguns dos caules. Foto: Elizabete&HeliaMarchante

Não a vemos durante todo o ano, mas não significa que tenha desaparecido! A aparência da planta varia muito ao longo do seu ciclo de vida anual, pelo que é importante estar alerta para os diferentes aspetos que apresenta ao longo do ano.

Os rebentos brotam do solo na primavera, com aspeto avermelhado, e entre meados de abril e junho, se tiver condições favoráveis, pode crescer até 40 centímetros em quatro dias, aumentando o tamanho rapidamente. As plantas vão perdendo o tom avermelhado, ficam verdes e atingem a sua altura máxima em meados de junho e florescem de agosto a outubro (por vezes, um pouco mais cedo). Entre agosto e novembro, a energia é investida principalmente nos rizomas, podendo a biomassa dos mesmos ser até 18 vezes superior em setembro do que era em maio.

A parte aérea da planta seca frequentemente (mas nem sempre) no outono, sendo que os caules castanhos, muitas vezes sem folhas, persistem durante todo o inverno e parte da estação de crescimento subsequente, coexistindo com as partes novas. A parte subterrânea, não visível, permanece sempre e pode ser maior que a parte aérea.

E como chegou esta invasora a Portugal?

A sanguinária-do-japão veio de longe, da Ásia (incluindo Japão, Coreia e China), há várias décadas, havendo registos da sua presença no Noroeste de Portugal, pelo menos desde 1951, nas Serras do Gerês, Cabreira e Valongo. Os registos mais antigos referem que foi introduzida como planta ornamental e foi passando incógnita para a maioria dos olhos que a viram, mas foi ganhando terreno!

Alguns cidadãos das áreas onde a espécie é muito frequente referem que as folhas vinham de França, no fundo de caixas de morangos. Considerando a fácil reprodução vegetativa, é provável que fragmentos de plantas assim introduzidas possam também ter contribuído para o seu estabelecimento.

Onde pode ser encontrada em território português?

Principalmente no Noroeste, com especial predominância no Minho e Douro Litoral onde há extensas áreas invadidas – por exemplo, na margem de rios e ribeiras nos distritos de Braga (incluindo no Parque Nacional da Peneda-Gerês), Porto, Viana do Castelo ou Aveiro. No entanto, já foi confirmada a sua presença em localizações mais a sul (pontualmente na cidade de Coimbra e em quintais no município de Estarreja) e mais para o Interior (em Gouveia, no Distrito da Guarda). Pode, no entanto, estar presente noutros locais onde ainda não foi confirmada.

É uma espécie que prefere zonas ribeirinhas, com pouca sombra e humidade, mas consegue desenvolver-se muito bem noutros locais. Vemo-la a crescer em solo livre, junto a casas, jardins e muros, pavimentos, passeios, e até nos separadores de vias-rápidas e autoestradas.

Aspeto da sanguinária-do-japão num passeio e num muro, junto a uma habitação. Foto: Paula Graça

Qual é a situação noutros sítios do mundo onde é invasora?

Sanguinária-de-japão foi introduzida na Europa de forma intencional, primeiro para cultivo forrageiro e melífero e depois como planta ornamental. Está presente como invasora principalmente na Europa Central (incluindo Reino Unido), mas a sua distribuição estende-se desde a Holanda a algumas regiões do Sul (como Portugal); ocorre ainda como invasora na América do Norte e Nova Zelândia. Na maioria destas regiões é uma espécie invasora bastante disseminada, que promove prejuízos muito avultados em termos ambientais e socioeconómicos.

Mas afinal qual é o problema com esta planta?

Os seus impactes são negativos a vários níveis! Quando visível, a sanguinária-do-japão forma extensos tapetes fechados que impedem o desenvolvimento de outras espécies de plantas – particularmente em áreas ribeirinhas, como acontece, por exemplo, no Parque Nacional da Peneda-Gerês. As folhas e caules acumulam-se contribuindo para o desaparecimento das espécies nativas, não só de plantas, mas de toda a teia de vida associada às mesmas.

Além dos impactes negativos significativos em termos da perda de biodiversidade, o seu crescimento vigoroso provoca muitos danos em infraestruturas contruídas pelo Homem, repercutindo-se em impactes económicos negativos muito avultados.

 

Proliferação de sanguinária-do-japão junto a infraestruturas contruídas pelo Homem. Fotos: Paula Graça

Por exemplo, as raízes e rizomas podem danificar infraestruturas subterrâneas interferindo com canalizações, tubos de drenagem, esgotos, e outros, danificando tubagens e entupindo fossas de drenagem ao explorar fendas e locais mais frágeis em busca de água. Já o crescimento vigoroso das partes aéreas danifica calçadas, muros, paredes e até estradas e caminhos de ferro.

De facto, estão associados a esta espécie prejuízos muito elevados, que incluem tanto custos de controlo como os associados à reparação dos danos nas infraestruturas: de 5.000 a 250.000 euros/hectare/ano, o que reforça a urgência de atuação o mais cedo possível quando esta invasora é detetada.

Se deparar com uma sanguinária-do-japão, o que devo fazer?

Na sequência de um esforço de divulgação feito pelo “Grupo de Trabalho Fallopia” – grupo que reúne diversas entidades que procuram fazer o ponto da situação da espécie em Portugal, testar medidas de controlo, apostar na sensibilização e divulgação, e dinamizar a “Rede de luta contra Fallopia em Portugal” (ver mais em aqui) – vários cidadãos têm contribuído com registos da espécie na plataforma Invasoras.pt e a distribuição da espécie é agora um pouco mais conhecida.

Assim, em primeiro lugar, apelamos à sua contribuição para completar o mapa de distribuição da espécie: se vir sanguinária-do-japão registe a sua presença em Invasoras.pt ou no projeto Invasoras.pt, na plataforma BioDiversity4All/iNaturalist.

Que cuidados se devem ter para que não se espalhe mais?

Além das possíveis sementes, a sanguinária-de-japão reproduz-se vegetativamente de forma muitíssimo vigorosa. Como foi dito acima, fragmentos de rizomas – ou mesmo de partes aéreas – com menos do que um centímetro podem dar novas plantas, desde que o fragmento contenha pelo menos uma gema ou gomo.

Por esse motivo, a gestão inadequada de locais onde a planta já está estabelecida, por exemplo através de escavações e cortes, pode levar à dispersão de fragmentos de rizomas e de caules aéreos, bem como de eventuais sementes, que podem acabar em águas superficiais e assim colonizar outros locais ao longo das margens de riachos e rios. Os fragmentos dos rizomas podem vir à superfície, devido à erosão da margem ou a trabalhos de escavação, e ser dispersos pela água corrente. Mas estes fragmentos podem também ser dispersos por equipamentos de corte ou mobilizações de solo, que os transportam até outros locais onde originam novos focos de invasão.

Como esta planta invasora “passa despercebida” entre todas as outras plantas verdes – que são a grande maioria – fica em grande vantagem, pois torna-se alvo de ações que sem essa intenção aumentam as áreas invadidas e a sua dispersão para novos locais. Por exemplo, cortá-la na margem de uma estrada, quando se faz a “limpeza de vegetação”, facilmente forma fragmentos que são arrastados pelas máquinas e originam novas plantas ao longo de áreas extensas. A sanguinária-do-japão também pode ser espalhada por longas distâncias quando o solo, contendo rizomas, é transportado para a construção de infraestruturas.

Então que medidas podemos tomar para acabar com ela?

O controlo de sanguinária-do-japão é desafiante, exigindo, quaisquer que sejam os métodos adotados, muita persistência, continuidade das intervenções e muito cuidado na eliminação dos fragmentos formados. Podem referir-se alguns exemplos, mas é importante em cada situação ajustar-se a resposta à situação particular, tendo em conta a dimensão da área invadida, o tamanho das plantas e a própria localização – por exemplo, se estão perto ou afastadas da água.

Quando estão em causa pequenos núcleos, muito localizados, em situações de Deteção Precoce, é possível arrancar as plantas, incluindo os rizomas, tendo o cuidado de se remover todos os fragmentos (até – 3 metros). É um método trabalhoso, demorado e dispendioso, que pode incluir a crivagem do solo, mas pode ser eficaz! Neste, como noutros métodos, é essencial um particular cuidado na destruição dos fragmentos e plantas cortadas. Por exemplo, deixá-los secar e depois queimá-los ou realizar compostagem acima dos 40ºC, durante várias semanas. Ou removê-los para um local seguro, onde não possam originar novas plantas.

Outras alternativas passam por exemplo pela aplicação de geotêxteis após o corte (ou na pré-estação de crescimento), ou por vários cortes sucessivos, repetidos, assim que atinge cerca de 40 centímetros, ou ainda o pastoreio intensivo dos rebentos, durante vários anos.

Outra opção é o recurso a alguns herbicidas, mas apenas produtos comerciais homologados para uso na situação. Todavia, estes produtos não são recomendados em muitas situações, não podem ser aplicados por qualquer cidadão e exigem, também, várias intervenções e continuidade.

Um dos tratamentos com melhores resultados inclui uma combinação de cortes e herbicida: um primeiro corte, após o primeiro “surto” de primavera (como orientação, maio/ junho, mas pode variar); segue-se outro corte para reduzir a vitalidade da planta e atrasar o ciclo de vida; por fim uma pulverização com herbicida (em setembro/outubro), quando as plantas estão perto do final do período vegetativo, mas antes de começarem a perder as folhas.

Qualquer que seja o método escolhido, é essencial a restauração através de plantação ou sementeira de alta densidade de espécies autóctones adequadas ao local, após a intervenção, de forma a dificultar a reinvasão.

Quatro curiosidades…

Um inseto pode ajudar-nos: a sanguinária-do-japão foi a primeira planta invasora na Europa, ainda que fora do território continental, no Reino Unido, para a qual se introduziu um agente de controlo biológico com o objetivo de ajudar a controlá-la. É um pequeno inseto, uma psila ou psilídeo, de nome científico Aphalara itadori, que se alimenta da seiva da sanguinária-do-japão, conseguindo sugar a seiva do floema das folhas e caules. No entanto, este agente não está (ainda) disponível no nosso país. Antes que tal aconteça é essencial que sejam realizados os testes necessários e a sua utilização seja autorizada formalmente pelas entidades competentes.

Cada um de nós pode estar a ajudar a sanguinária-do-japão a invadir: cortar vegetação nas margens de estradas, de linhas de água ou no nosso jardim, se incluir sanguinária-do-japão sem a (re)conhecermos, pode ser o suficiente para nos tornarmos num ajudante da dispersão da espécie. Os fragmentos que se formam inevitavelmente, se não forem bem encaminhados ou bem limpos das ferramentas) vão originar novos focos de invasão. Atenção para ficar do lado bom da força.

No Reino Unido os problemas causados por esta espécie são tão graves que desde 1930, descobrir num terreno sanguinária-do-japão (‘japanese knotweed’ em inglês) era garante de não obter empréstimo ou hipoteca. Atualmente, há várias empresas especializadas na realização de intervenções de prevenção e controlo desta invasora.

Várias partes da sanguinária-do-japão são comestíveis, preferencialmente os rebentos jovens (principalmente com 15 a 20 centímetros), que têm um sabor a limão ou ruibarbo, e podem ser consumidos crus ou cozidos. As pontas em crescimento, as folhas ainda enroladas e os ramos também são comestíveis, podendo ser cozidos a vapor, em sopas, utilizados em molhos, compotas de fruta, ou noutras iguarias.

 


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica, o lucioperca, o caranguejo-azul, a ludevígia-rastejante, o jacinto-aquático, a íbis-sagrada, o mosquito-tigre-asiático, a pinheirinha-de-água, o visão-americano, a bisnaga, tartaruga-da-Flórida e o ganso-do-egipto.