“Mariscar sem lixo” juntou 181 voluntários em Tróia

A maior acção de limpeza do ano da campanha “Mariscar sem lixo” aconteceu de 11 a 13 de Agosto na Caldeira de Tróia. Os 181 voluntários recolheram 430 quilos de lixo e ajudaram a sensibilizar a comunidade piscatória local para não deixarem para trás embalagens de sal.

 

A Grande Acção de Sensibilização à Comunidade Piscatória acontece desde há três anos, a propósito da festa em honra da Nossa Senhora do Rosário de Tróia.

“Esta festa junta centenas de mariscadores e é, tipicamente, uma grande entrada de lixo no estuário”, disse anteriormente à Wilder Raquel Gaspar, a coordenadora da iniciativa e da cooperativa Ocean Alive. “As pessoas acampam e deixam alcatifas, cadeiras, lixo orgânico, etc.”

Entre os dias 11 e 13 de Agosto, 181 pessoas – incluindo crianças, público em geral e membros da comunidade local de pescadores – responderam ao pedido de ajuda e estiveram na Caldeira de Tróia para ajudar. A adesão superou as expectativas dos organizadores. “O nosso objectivo era chegar aos 100!”, escrevem numa nota divulgada esta semana.

 

Foto: Paulo Lopes/Ocean Alive

 

Na edição do ano passado, de 12 a 14 de Agosto, participaram 66 voluntários, que recolheram 1.746 embalagens de sal vazias e 1.102 quilos de lixo preso na vegetação.

Este ano, nos três dias da festa, 1.183 pescadores foram alertados para não deixarem para trás as embalagens de sal vazias com que apanham o lingueirão. “Apenas três embalagens de sal foram deixadas na maré nos quatro locais de mariscarem intervencionados”. Em 2016 foram deixadas 15 embalagens num só dia, e cinco em três dias de intervenção na caldeira, em 2017.

A Caldeira de Tróia é um dos pontos onde a campanha se concentra, porque é sítio de mariscagem e porque os ventos e as correntes empurram o lixo para ali. Esta é uma laguna costeira que enche e esvazia com as marés, tem um fundo lodoso e está rodeada de sapal e pinhal. Esta reentrância do estuário do Sado é considerada de grande importância ecológica e está integrada na rede de sítios prioritários para a conservação da natureza na Europa. “É considerada uma maternidade de vida marinha e oferece abrigo e alimentação a muitas aves marinhas”, como os pilritos, os fuselos, garças e mesmo aves migradoras como os mergansos, segundo a Ocean Alive.

 

Foto: Luís Ferreira/Ocean Alive

 

Até ao momento, a campanha “Mariscar sem lixo” no Estuário do Sado realizou 36 acções, desde Março de 2016. No total foram recolhidas mais de 42 toneladas de lixo.

Segundo a Ocean Alive, a próxima acção deverá acontecer em Novembro mas ainda não há uma data definida.

Esta campanha quer dar uma nova cara a um dos estuários mais importantes da Europa, o Estuário do Sado. Este é um local crucial para inúmeras espécies selvagens, como os flamingos, golfinhos, pilritos, caranguejos-eremita, búzios, sargos, peixes-rei, tainhas e salemas.

 

Espécie observada durante a campanha. Foto: Ricardo Ribeiro/Ocean Alive

 

Todos os meses desde Março de 2016, Raquel Gaspar organiza equipas de dezenas (e às vezes centenas) de voluntários que, a pouco e pouco, vão limpando aquele estuário, uma ferradura natural que liga Setúbal a Tróia.

Um dos principais alvos desta campanha é a garrafa de sal vazia que serve para apanhar lingueirão. “Com o tempo, as embalagens vão-se deteriorar e transformar-se em pequenas partículas de plástico que acumulam poluentes tóxicos e que acabam por ser ingeridas por peixes, mariscos e golfinhos. Estas partículas – que vão persistir durante décadas ou séculos – “poderão ferir, asfixiar, causar úlceras ou a morte de animais marinhos”, salienta a Ocean Alive. Além disso, “parte das embalagens vem dar às praias de Setúbal, Tróia e Arrábida, constituindo também um risco para a saúde pública”.

Hoje, graças a centenas de voluntários, o estuário do Sado tem menos garrafas de sal, garrafões de lixívia, sacos de plástico, alcatifas, cordas, cadeiras e pneus.

A Ocean Alive é uma organização sem fins lucrativos que pretende “transformar comportamentos para a protecção do oceano, nomeadamente das pradarias marinhas do estuário, através da educação marinha e do envolvimento das comunidades costeiras locais”.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Descubra estas cinco espécies durante a maré-baixa na zona de Tróia.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Raquel Gaspar ganhou em 2017 o prémio nacional Terre de Femmes, atribuído pela Fundação Yves Rocher. Leia a entrevista que esta bióloga deu à Wilder e conheça o projecto que quer transformar pescadoras em guardiãs do Estuário do Sado.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.