Ganso-bravo (Anser anser). Foto: Jakub Hałun/WikiCommons

Doñana regista número “catastrófico” de aves invernantes

O censo anual às aves invernantes do Parque Nacional de Doñana, na Andaluzia (Espanha) registou apenas cerca de 206.000 aves, o décimo pior número em 60 anos de dados. 

Nos dias dourados de Doñana registavam-se mais de 500.000 aves a invernar naquela zona húmida.

Este ano, os técnicos no terreno falam num “declínio sem precedentes” com a invernada de aves aquáticas “mais escassa desde que há registos”, denuncia a Sociedade Espanhola de Ornitologia (SEO/Birdlife).

A lagoa de Santa Olalla secou pelo segundo ano consecutivo, “algo inédito até hoje”, e a maioria das lagoas temporárias de Doñana permaneceu seca.

Segundo a SEO/Birdlife, “a situação da avifauna ligada às zonas húmidas, um dos principais valores naturais de Doñana e objectivo prioritário dos seus planos de gestão, é catastrófica”.

O alarme foi dado pelo censo realizado pela Estação Biológica de Doñana (EBD-CSIC). Este censo revela que nos últimos 10 anos, as populações de aves aquáticas caíram a pique e que 79% das espécies reprodutoras para as quais existe informação mostram uma tendência negativa.

Por exemplo, o galeirão-de-crista (Fulica cristata) é uma espécie ameaçada de extinção que não chegou a iniciar a reprodução, contabilizando-se apenas dois casais nos últimos cinco anos.

Ganso-bravo (Anser anser). Foto: Jakub Hałun/WikiCommons

Em 2023 não chegaram a reproduzir-se em Doñana espécies Em Perigo como o abetouro (Botaurus stellaris) – recentemente eleita a Ave do Ano 2024 em Espanha – e a gaivina-preta (Chlidonias niger). Também não criaram o tartaranhão-dos-pauis (Circus aeruginosus), o garçote (Ixobrychus minutus), a garça-vermelha (Ardea purpurea), o mergulhão-de-pescoço-preto (Podiceps nigricollis) e a andorinha-do-mar-anã (Sternula albifrons).

“A situação das aves invernantes nunca foi pior”, segundo a série de censos e registos históricos até ao momento, alertou a organização. 

O censo aéreo de Doñana, realizado em Janeiro deste ano por uma equipa da EBD-CSIC, registou 206.859 exemplares de aves aquáticas, o décimo pior número em 60 anos de dados. Durante este mesmo censo contabilizaram-se apenas 9.588 exemplares de ganso-bravo (Anser anser), espécie emblemática de Doñana, cujos números encontravam-se, normalmente, entre os 40.000 e os 50.000 exemplares. Este foi o número mais baixo desde que há registos.

“Além da perspectiva ecológica, Doñana está a perder imagens que formavam parte da sua paisagem e representam ícones exclusivos da zona húmida, como as dezenas de milhares de gansos-bravos vindos do Norte da Europa, sobrevoando as lagoas no Inverno, ou os grandiosos sobreiros repletos de ninhos de garças durante a Primavera”, lamentou Carlos Davila, responsável pelo núcleo da SEO/Birdlife em Doñana.

Este especialista explicou, em comunicado, que Doñana atravessa há 12 anos o ciclo mais seco da sua história, caracterizado por chuva escassa, temperaturas mais altas e Primaveras mais curtas. Além disso, esta situação agrava-se porque “o aquífero está sobre-explorado devido à agricultura intensiva e a modelos turísticos massificados”. A acrescentar há ainda algumas “massas de água contaminadas pelos derrames de nutrientes de origem agrícola e à deficiente depuração das águas residuais”.

Em Dezembro do ano passado, o Governo espanhol apresentou um plano de 1,4 mil milhões de euros para salvar Doñana. Um dos objectivos é incentivar os agricultores em redor da área protegida a deixarem de cultivar produtos que dependam fortemente da disponibilidade de água.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.