Opisthograptis luteolata. Foto: João Nunes

Rede de Estações de Borboletas Noturnas: Em dois anos, voluntários registaram mais de 900 espécies

Fique a conhecer as principais novidades deste projeto de ciência cidadã, que está a trabalhar para aumentar o conhecimento sobre quais são e onde habitam estas borboletas em Portugal.

A Wilder falou com João Nunes, coordenador da Rede de Estações de Borboletas Noturnas (REBN), e com a restante equipa. Este projecto de ciência conta com várias dezenas de locais dispersos pelo país, onde voluntários fazem a amostragem destes insectos com recurso a armadilhas luminosas, de acordo com um método estandardizado. Nestes poucos anos de actividade, já aumentaram o conhecimento sobre a distribuição de dezenas de espécies de borboletas noturnas conhecidas em Portugal e possibilitaram a descoberta de cinco novas espécies para o país.

WILDER: Quantas estações existem neste momento, no âmbito da REBN?

REBN: Neste momento estão registadas como ativas 72 Estações de Borboletas Noturnas, distribuídas por 14 distritos. E só neste último ano, em 2023, abriram 29 novos locais de amostragem regular.

A distribuição das estações no país está muito relacionada com a distribuição demográfica, com uma óbvia litoralização das mesmas. Temos tentado combater esta tendência e procurar voluntários ou associações no Interior, que queiram contribuir para o projeto.  

Foto: Rede de Estações de Borboletas Noturnas

Por outro lado, desde o início do projeto foram desativadas 31 Estações. Como já era esperado, nem todas as aquelas que são registadas no âmbito deste projecto perduram no tempo e muitos são os fatores que levam à desistência: desde a falta de tempo à dificuldade de acesso ao local da Estação, entre outros.

Ainda assim, note-se que 31 Estações continuam a funcionar mensalmente desde 2021, o ano em que arrancou a Rede.

Hippotion celerio. Foto: Helder Cardoso

W: Quantas pessoas estão neste momento envolvidas na REBN?

REBN: Directamente a dinamizar Estações estão 61 voluntários, mas existem mais pessoas envolvidas de outras formas. Temos neste momento, por exemplo, vários voluntários que escrevem artigos todos os meses para os integrar no boletim informativo, ou a fazerem a revisão desses textos.

W: Quais foram os principais resultados nestes quase 3 anos de projecto?

REBN: Até à data, apenas os dados de 2021 e 2022 foram analisados e publicados no portal GBIF (Global Biodiversity Information Facility). Esperamos pelo término de cada ano de amostragem antes de avançar para a análise mais aprofundada dos registos, pelo que os dados recolhidos em 2023 ainda aguardam esse tratamento.

Contudo, após três anos completos de amostragem, destaca-se como principal resultado o enorme volume de registos validados produzido – mais de 45.000 registos até Outubro de 2023 – de mais de 900 espécies de borboletas noturnas, o que representa mais de um terço das espécies conhecidas para Portugal. Do principal grupo-alvo do projeto, as macro borboletas, já foram registas quase dois terços das espécies conhecidas em território nacional.

Allophyes alfaroi. Foto: Helder Cardoso

Como a componente temporal do projeto ainda não é muito forte, dos dados já publicados podem-se apenas retirar resultados mais particulares ao nível da distribuição e fenologia das espécies. Estes já permitiram aumentar significativamente a distribuição nacional conhecida de pelo menos 75 espécies de borboletas noturnas, onde se destaca o aumento do conhecimento nas zonas dos distritos de Leiria e Santarém.

Destaca-se também a descoberta de uma nova espécie para Portugal continental, a Caradrina flava! Descrita por Oberthür em 1876, esta borboleta noturna já era conhecida de Marrocos e da Espanha continental e insular, e foi registada em Portugal pela primeira vez em Almada, em Outubro de 2022.

Estes destaques estão publicados em revista científica, em Corley et al. 2022 e Corley et al. 2023.

Sessão de monitorização de borboletas numa das estações (imagem superior) e uma das armadilhas utilizadas. Fotos: Rede de Estações de Borboletas Noturnas e Helder Cardoso

Dos dados ainda não publicados e gerados em 2023, podemos adiantar a descoberta de mais quatro novas espécies para Portugal continental, o que suporta definitivamente a importância deste projeto – não só para o estabelecimento de uma rede de monitorização deste grupo faunístico, mas também para o levantamento da biodiversidade.

W: Em termos de espécies de borboletas observadas mais comuns, mantêm-se as já indicadas relativamente ao primeiro ano de registos, ou houve novidades?

REBN: Ao longo do ano de 2021, as cinco espécies que tinham tido um maior número de observações tinham sido Gymnoscelis rufifasciata, Eilema caniola, Hoplodrina ambigua, Idaea degeneraria e Mythimna unipuncta.

Rhodometria sacraria. Foto: Ana Valadares

No ano seguinte, de acordo com os últimos dados que analisámos, a Rhodometra sacraria e a Idaea minuscularia entraram para o “top 5” das borboletas noturnas mais observadas, tirando o lugar às espécies Hoplodrina ambigua e Idaea degeneraria.

Quanto ao número de borboletas registadas por cada espécie, em 2021 as espécies com mais indivíduos contados tinham sido Eilema caniola, Agrotis puta, Gymnoscelis rufifasciata, Hoplodrina ambigua e Rhodometra sacraria.

Mas em 2022, também neste domínio houve mudanças: as borboletas Agrotis puta e Rhodometra sacraria desceram do pódio das cinco mais abundantes, e subiram a Spodoptera cilium e a Cerastis faceta, exatamente para as mesmas posições.

Cerastis faceta. Foto: Helder Cardoso

W: Quando é a época alta para observação de borboletas noturnas? E fazem-se muitas observações no inverno? 

REBN: Portugal é um país privilegiado no contexto europeu no que à biodiversidade diz respeito. É um país meridional no velho continente e grande parte do seu território está inserido num dos reconhecidos hotspots de biodiversidade, que é a Bacia do Mediterrâneo. Tanta riqueza faz com que qualquer altura do ano tenha potencial para o registo de seres vivos, incluindo borboletas noturnas, ao contrário do que acontece noutras regiões mais setentrionais, onde o Inverno acaba por funcionar quase como uma pausa absoluta neste tipo de atividades.

Opisthograptis luteolata. Foto: João Nunes

Contudo, apesar de termos também espécies a voar no Inverno, é senso comum que nesta estação do ano há menos diversidade e atividade. Ainda assim, apesar de serem menos as espécies a voar no frio, as que voam são muitas vezes específicas dessa época do ano, pelo que se as quisermos registar temos também de ligar a luz nas noites frias de dezembro, janeiro e fevereiro. Nos meses de inverno de 2022 foram submetidos na REBN quase 1600 registos de mais de 140 espécies diferentes! A título de exemplo destacam-se os registos da espécie Operophtera brumata, exclusivamente invernal.

Quanto à existência ou não de uma época alta para a observação de borboletas noturnas; sim, existe. Porém, esta não é igual para todo o território nacional continental. É atualmente evidente, nos resultados do projeto, que nas zonas mais a Norte a época alta é essencialmente o verão, enquanto nas zonas mais a Sul e mais mediterrânicas as épocas altas são a primavera e o outono.


 Agora é a sua vez.

Descubra como distinguir entre borboletas diurnas e noturnas, até porque nem todas as espécies deste último grupo voam de noite. E sabe do que se alimentam estes insectos? Confirme aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.