Paulo Catry vai à procura de aves marinhas no meio do oceano Atlântico

Paulo Catry partiu esta manhã do porto britânico de Southampton numa expedição científica de um mês. Quinze investigadores vão estudar a importância de uma zona específica do Atlântico Norte para aves, baleias, golfinhos e tartarugas. A Wilder vai publicar as crónicas do investigador do MARE – ISPA a bordo do navio oceanográfico RSS Discovery, em mar alto.

 

Em pleno Atlântico Norte, a meio caminho entre os Açores e o Canadá, existe uma área que intriga os investigadores marinhos. Dados de seguimento remoto indicam que muitas aves marinhas viajam de várias regiões do Atlântico para se concentrarem ali. “Esta área está muito pouco estudada”, disse Paulo Catry, 48 anos, à Wilder, poucos dias antes de partir. Um dos objectivos desta expedição “é perceber porque é que ela é tão importante e quais os seus limites. Fala-se em criar uma área marinha protegida nestas águas internacionais, mas para isso é preciso termos mais informação para compreender os seus limites, relevância, e eventuais ameaças.”

A expedição é organizada por Ewan Wakefield, investigador da Universidade de Glasgow, e conta com o apoio do NERC (National Environment Research Council). “Eu e o Ewan conhecemo-nos de outras colaborações científicas e ele perguntou-me se eu estaria interessado em envolver-me neste projeto”, explicou. E o investigador português aceitou.

“Esta expedição é em muitos aspetos pioneira. É provavelmente a primeira vez que um grande navio oceanográfico vai estar durante um mês no mar profundo com a missão principal de estudar aves marinhas.” Mas além deste grupo, a expedição vai fazer outros estudos, como por exemplo medições de oceanografia e contagens de baleias, golfinhos e tartarugas-marinhas.

Até agora sabe-se pouco sobre a importância das aves marinhas, como as pardelas e as cagarras, para os oceanos porque é difícil estudá-las fora das colónias onde se reproduzem. Estas aves percorrem grandes distâncias oceânicas e fora da época de reprodução podem atravessar oceanos inteiros, seguindo rotas determinadas por padrões de ventos e correntes.

A comunidade científica sabe que há uma determinada região no Atlântico Norte onde se concentram aves marinhas de várias populações, bem como atuns, baleias, golfinhos e tartarugas, graças a estudos nas colónias de reprodução e a dados recolhidos por seguimento remoto. Agora, esta expedição quer recolher amostras das aves marinhas directamente no alto mar.

A principal tarefa de Paulo Catry é ajudar nas capturas, dada a sua grande experiência em manipular este tipo de aves. “Uma das novidades desta expedição é o objetivo de capturar aves no meio do Oceano Atlântico. Capturar vivas, claro está, e sem lhes fazer mal.” O grande objectivo é colher amostras de penas e sangue para vários estudos e para perceber de que se alimentam. “É um grande desafio, nunca nada semelhante foi tentado, e é um risco, porque vai depender da meteorologia e de outros fatores. Não é certo que corra bem.”

Durante este mês, Paulo Catry vai dedicar-se especialmente a quatro espécies: parcela-de-bico-preto (Ardenna gravis), pardela-escura (Ardenna grisea), cagarra (Calonectris diomedea) e fulmar (Fulmarus glacialis). Além de capturar aves, o investigador português irá também identificar e contar as aves que forem encontrando no mar.

Com estes dados, os investigadores esperam conhecer melhor os comportamentos de certas aves e o ambiente na zona de oceano profundo onde elas se encontram. “Vamos trabalhar numa área onde sabemos estarem várias aves (como pardelas e cagarras) que estamos a monitorizar com aparelhos de seguimento remoto. Nalgumas dessas aves eu próprio coloquei aparelhos de seguimento nas distantes ilhas Malvinas/Falkland, há uns meses atrás no Atlântico Sul”, acrescentou.

A expedição pretende estimar a distribuição, abundância e comportamento das aves marinhas e cetáceos naquela zona, mapear as zonas mais ricas em nutrientes e conhecer melhor a dieta alimentar das aves marinhas.

 

[divider type=”thick”]Perfil do investigador:

Paulo Catry. Foto: MARE-ISPA
Paulo Catry. Foto: MARE-ISPA

WILDER: O que fazes?

Paulo Catry: Sou investigador ligado ao MARE – Marine and Environmental Science Centre, no ISPA – Instituto Universitário, onde também dou aulas. A minha investigação é sobretudo com aves marinhas (embora também tenha projetos com outros tipos de aves) e com tartarugas marinhas. Trabalho sobretudo no arquipélago da Madeira (ilhas Selvagens e Desertas), nas ilhas Malvinas/Falkland e na Guiné-Bissau.

W: Onde e quando começaste?

Paulo Catry: Comecei pela região de Lisboa, por exemplo no estuário do Tejo. Comecei como amador ainda não tinha 18 anos. No final da licenciatura fiz uma tese na Lagoa de Santo André e depois fui doutorar-me para a Escócia, trabalhando nas ilhas Shetland.

W: Como aprendeste a fazer o teu trabalho?

Paulo Catry: Grande parte aprendi sozinho. Faltava às aulas, não para ficar a dormir, mas para estudar os temas que mais me interessavam. Claro que também aprendi com professores e, sobretudo, com colegas de ofício.

W: Quando começaste, o que pensavas que querias fazer?

Paulo Catry: Não tinha ideias claras, mas queria algo do género do que faço agora. Tenho muita sorte em ter realizado os meus sonhos!

W: O que ainda te falta descobrir?

Paulo Catry: Tudo, praticamente.

 

[divider type=”thick”]A Wilder vai publicar as crónicas de Paulo Catry durante a expedição, de 6 de Junho a 2 de Julho.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.