abutre do Egipto visto de baixo, em voo
Juvenil de abutre-do-Egipto. Foto: P. Jeganathan / Wiki Commons

Venenos voltaram a matar no Douro Internacional

Um casal de abutres-do-Egipto foi encontrado morto no Parque Natural do Douro Internacional, envenenado com carbofurão, um veneno ilegal. Casos como este deviam ser considerados uma ameaça para a saúde pública, avisa o coordenador do LIFE Rupis, Joaquim Teodósio.

 

Os dois abutres-do-Egipto (Neophron percnopterus) – espécie também chamada de britango – foram encontrados sem vida no ninho em Agosto passado. O local era de acesso difícil, numa arriba do Douro na zona da Bemposta, junto à fronteira com Espanha.

“Foi recebido um alerta de que tinham sido avistados e foram depois recolhidos para serem analisados, com recurso a técnicas de escalada para conseguirmos chegar ao ninho”, explicou à Wilder Joaquim Teodósio, coordenador do LIFE Rupis. Co-financiado pela União Europeia, este projecto tem como principal objectivo a conservação do abutre-do-Egipto e da águia-perdigueira na zona do Douro Internacional, tanto em Portugal como em Espanha.

Os restos das duas aves, que formavam um casal de adultos reprodutores, foram retirados do ninho por uma equipa do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas. A apoiá-la estavam técnicos da empresa Oriolus e agentes do Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente (Sepna) da GNR.

 

homem a descer arriba com equipamento de escalada
Descida do ninho. Foto: ICNF

 

“Já deviam estar mortos há cerca de dois meses. Os restos foram depois enviados para um laboratório em Espanha, para se verificar se era possível apurar a causa da morte”, disse Joaquim Teodósio, que pertence também à Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).

Resultado das análises? As aves terão ingerido carbofurão, um veneno ilegal, substância “que terá provavelmente sido colocada em iscos espalhados no terreno com o intuito de matar animais selvagens ou assilvestrados, como de resto terá possivelmente acontecido noutros casos acompanhados pelo projeto”, indica uma nota de imprensa que foi esta quinta-feira divulgada pela SPEA.

 

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Abutre-do-Egipto, adulto. Foto: Ricardo Brandão/CERVAS

 

O Douro Internacional alberga o maior núcleo de abutre-do-egipto em Portugal e é um dos mais importantes da Península Ibérica.

Este é o mais pequeno dos abutres ibéricos. Tem até 65 centímetros de comprimento e uma envergadura de asa de entre 1,55 e 1,70 centímetros. Pode pesar até cerca de dois quilos. A sua plumagem é essencialmente branca e preta; tem face amarela e cauda longa.

Este não é o primeiro caso de envenenamento detectado no Douro Internacional, destacou Joaquim Teodósio. Além de situações como esta, a associação está a acompanhar casos em que morreram animais domésticos, como ovelhas e cães, que podem ter sido motivados pelo uso de pesticidas e de outros produtos tóxicos associados à agricultura, ou mesmo por tentativas de vingança entre vizinhos.

 

“Ameaça para a saúde pública”

“Estes envenenamentos não nos preocupam apenas por causa da biodiversidade, pois são também uma ameaça séria para animais domésticos e para a saúde pública”, salientou, referindo que têm surgido várias situações que envolvem venenos ilegais, como o carbofurão e a estricnina.

Um dos casos recentes foi a morte de vários cães que, durante uma batida de caça na Marofa (Figueira de Castelo Rodrigo), comeram iscos com veneno, lembrou. E em 2015, na zona da Angueira (Vimioso), foram encontrados envenenados quatro abutres pretos e um britango.

É, aliás, para investigar situações como estas que, no âmbito do LIFE Rupis, projecto que termina no final de 2019, foram criadas duas equipas cinotécnicas no Sepna, em que agentes e cães-polícia se especializaram na detecção de venenos.

 

britango frente a um buraco numa arriba
Abutre-do-Egipto nas arribas do Douro. Foto: LIFE Rupis

 

“O problema do uso ilegal de venenos acontece por todo o país”, sublinhou o mesmo responsável, que lembra que já ocorreram várias situações de envenenamento de águias-imperiais e de outras aves detectadas no âmbito do projecto LIFE Imperial, que decorre no Alentejo.

“É fundamental que haja uma preocupação com o problema dos venenos a nível nacional e nas zonas de fronteira com Espanha, país onde a investigação a este nível está bem mais avançada, pois em Portugal só se detectam os casos que ocorrem em zonas onde estão a decorrer projectos como o LIFE Rupis e o LIFE Imperial”, avisou Joaquim Teodósio. “Quando ainda funcionava, o programa Antídoto recolhia informações sobre ocorrências destas em todo o país.”

“Em Espanha, hoje em dia é possível avançar com procedimentos administrativos quando há suspeitas de morte de animais por envenenamento, como a interdição de caça numa zona de caça. Em Portugal, o que tem acontecido é que casos destes são arquivados, quando deveriam ser entendidos como uma situação grave.”

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Assista à reportagem Veneno Selvagem, esta quinta-feira às 21h00 no programa Linha da Frente, na RTP, sobre o problema dos envenenamentos de animais selvagens em Portugal.

Recorde a longa viagem de Douro, entre África e a zona de fronteira entre Portugal e Espanha, onde chegou em Março passado.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.