Foto: Pedro Guerreiro, Nuno Jesus e Gonçalo Oliveira

Chanchito: Este peixe que lembra um camaleão já invade Portugal há mais de 80 anos

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No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, Pedro Guerreiro, investigador do CCMAR-Centro de Ciências do Mar e professor convidado na Universidade do Algarve, conta-nos tudo sobre um peixe que muda de cores em função do seu ambiente, estatuto social, estado reprodutivo e até “emocional”, mas que é um problema para as espécies nativas.

Que espécie é esta?

O chanchito (Australoherus facetus) é um peixe da família dos ciclídeos (Cichlidae). Esta família compreende provavelmente mais de 2.000 espécies, o que a torna numa das mais numerosas e diversificadas entre os vertebrados. A maior parte destes peixes habitam na África e na América do Sul e Central.

Muitos ciclídeos são cultivados ou valorizados na pesca desportiva, mas provavelmente conhecemo-los mais como espécies ornamentais em aquariofilia, como é o caso dos “Discos” (género Symphysodon) e dos “Escalares” (género Pterophyllum). Uma característica muito relevante deste grupo é a sua rápida evolução e radiação em habitats confinados, como lagos e pequenas bacias fluviais, o que demonstra uma plasticidade (capacidade de adaptação) que lhes pode dar uma vantagem como invasores.

Chanchitos. Foto: Pedro Guerreiro e Gonçalo Oliveira

De onde é que o chanchito é originário?

É um ciclídeo neotropical, originário da América do Sul, e é muito comum entre o sul do Brasil e o norte da Argentina, incluindo também os rios e lagos do Uruguai e Paraguai.

E como é que o podemos identificar?

Os adultos podem atingir cerca de 18 centímetros e têm normalmente um tom amarelo ou esverdeado, com riscas verticais mais escuras.

Mas tal como a maioria dos ciclídeos, este peixe pode apresentar diversas colorações, que no seu caso podem variar muito rapidamente. As cores alteram-se em função do seu ambiente, estatuto social, estado reprodutivo e até “emocional”. Normalmente são amarelo-esverdados com faixas verticais ténues, mas podem ter uma faixa horizontal e uma mancha escura na zona posterior, e quando estão reprodutivos e territoriais apresentam uma cor mais amarelada com as faixas verticais muito escuras e bem marcadas. As fêmeas reprodutivas têm ainda a zona inferior da boca e o ventre muito escuro.

Aliás esta é uma das poucas formas de diferenciar macho de fêmeas, porque na maior parte do tempo não há qualquer dimorfismo sexual óbvio. Estas colorações são uma das formas como os peixes desta espécie comunicam entre si.

Por outro lado, quando estão mais “assustados”, perdem alguma da coloração. Mesmo os tais casais territoriais podem perder as faixas em alguns segundos, e depois repô-las também a uma velocidade equiparada aos camaleões. Daí o chanchito ser também conhecido pelos nomes de ciclídeo camaleão ou acará-camaleão, no Brasil.

Como chegou a Portugal?

Os primeiros registos do chanchito no país têm mais de 80 anos e datam de 1940, curiosamente da região de Mira, em Aveiro, que não parece reunir as condições ambientais mais favoráveis para esta espécie.

Acredita-se que a introdução destes peixes na natureza se deveu provavelmente a libertações realizadas por aquariofilistas, pois apesar de ter valor ornamental, cresce rapidamente e pode tornar-se muito agressivo em espaços confinados.

Onde é que está presente em território nacional?

Desde os primeiros registos, o chanchito expandiu-se praticamente por todas as bacias a sul do Tejo, sendo localmente muito abundante nalguns tributários do rio Guadiana, no Alentejo, mas também no Algarve, onde está presente em número significativo na Ribeira de Odelouca.

Os registos obtidos até hoje indicam ainda que existem populações desta espécie invasora no Sado e infelizmente a sua distribuição parece estar a expandir-se agora rapidamente para norte, sobretudo para as albufeiras que ficam junto ao Tejo.

Foto: Pedro Guerreiro e Gonçalo Oliveira

Esta disseminação entre locais afastados e que não estão interligados entre si acontece obviamente por influência humana, possivelmente por questões ornamentais. Alguns peixes serão libertados nas albufeiras vindos de aquários, mas outros provavelmente ali chegam vindos de outros “habitats naturais”, porque as pessoas gostam de os ver e de os ter mais perto de casa ou para povoarem corpos de água “sem peixes”. Eventualmente podem pensar também que poderão ser alimento para peixes de pesca desportiva.

De resto, o chanchito parece preferir habitats com alguma complexidade, com vegetação subaquática ou com substrato rochoso. Nestes habitats, pode formar grupos de grandes dimensões pelo que se torna localmente muito dominante, mas isso não significa, necessariamente, que esteja presente de forma uniforme ao longo dos cursos de água que invade.

Para além do meio natural, esta espécie também pode ser observada em meio urbano em vários locais, como pequenos lagos de jardins municipais. Esses peixes foram provavelmente aí libertados depois de crescerem demasiado para continuarem num aquário.

Mas afinal qual é o problema com este peixe?

Tal como a maior parte dos ciclídeos, o chanchito demonstra uma enorme plasticidade ecológica e fisiológica, o que o torna num forte concorrente com as espécies nativas.

Apesar de não existirem muitos estudos dirigidos ao impacto desta espécie, sabemos que é bastante generalista na sua alimentação: alimenta-se de um vasto leque de presas que estão presentes tanto na coluna de água como à superfície. É também muito eficiente e competitivo a procurar e a conseguir alimentos em comparação com as espécies de peixes nativas, podendo ainda alimentar-se dos ovos e dos estados larvares destas, e até de outros grupos taxonómicos, como é o caso dos anfíbios.

Por outro lado, o seu nome, chanchito, deriva da expressão para “pequeno porco” na América do Sul, e faz referência, entre outros aspetos, ao facto de revolver o substrato para se alimentar de plantas e algas.

Ao contrário das espécies nativas, o chanchito tem comportamentos sociais complexos, que lhe permitem dominar territorialmente zonas importantes dos troços das ribeiras. São especialmente violentos na época de reprodução, em que formam casais estáveis e demonstram cuidados parentais, sendo os pais muito agressivos para qualquer intruso, seja ou não da mesma espécie.

Apesar das suas posturas serem muito menores que as das espécies nativas, a proteção que os pais conferem aos ovos e larvas, durante cerca de um mês após a eclosão, resultam possivelmente num maior número de peixes desta espécie que sobrevivem. Além disso, estes casais podem manter-se durante toda a época de reprodução, concluindo várias posturas.

Finalmente, a fisiologia deste peixe invasor parece adaptar-se perfeitamente ao clima: tolera uma grande amplitude de temperaturas, com registos experimentais entre três e 36 graus, e baixos níveis de oxigénio, o que lhe pode dar vantagens em cenários de alterações climáticas. E é até capaz de sobreviver em águas salobras, que têm na sua composição alguma água salgada, o pode facilitar a expansão desta espécie, já que pode utilizar os estuários como pontes entre curso de água doce.

E é possível erradicar ou controlar as populações desta espécie?

O primeiro passo é monitorizar mais atentamente, e de forma mais oficial, qual é a distribuição do chanchito. Infelizmente, os registos mais recentes indicam que a espécie está cada vez mais dispersa em Portugal, e estes registos são na sua maioria efetuados por pescadores, por curiosos ou através de iniciativas de ciência-cidadã. Apesar de úteis, não nos permitem saber se estamos a falar de uns poucos indivíduos ou de populações bem estabelecidas, mas sabemos que em condições adequadas o seu potencial de propagação é muito grande.

Não existe propriamente um plano ou estratégia para o controlo desta espécie, que está legalmente classificada como espécie invasora em Portugal. No entanto, o facto de formar populações agregadas pode ajudar a que estas sejam controladas, reduzindo substancialmente o seu número e utilizando meios pouco invasivos para o ambiente ou para as espécies nativas. Nalguns casos pode ser até possível a erradicação do chanchito, desde que as populações estejam restringidas localmente e se se levar a cabo uma sequência de atividades de controlo nas épocas mais adequadas.

Foto: Pedro Guerreiro e Gonçalo Oliveira

Tanto a identificação de habitats adequados, passíveis de albergarem novas populações ou na proximidade de outras já estabelecidas, tal como a deteção precoce da presença desta espécie invasora, são fundamentais para o sucesso da sua prevenção e erradicação. Por outro lado, a renaturalização dos cursos de água e a eliminação de zonas lênticas artificiais, que têm águas paradas ou com pouco movimento, serão também um bom contributo para prevenir a sua expansão e sucesso.

E cada um de nós pode ajudar de que forma?

No caso do chanchito e de outros peixes com interesse ornamental, muito utilizados em aquários, o que primeiro há a fazer é compreender e divulgar que não é aceitável a libertação de qualquer espécie não-nativa no meio natural, ou mesmo nos lagos de jardins. Nalguns casos estamos a condenar o peixe à morte, porque as condições no meio natural não são as adequadas à espécie; noutros, podemos estar a contribuir para a disseminação ou introdução de mais uma espécie invasora.

Também não é tolerável, e é igualmente punível por lei, que se transportem peixes de um corpo de água para outro apenas porque queremos repovoar um lago ou uma ribeira, o que parece ser uma das causas mais recentes de dispersão do chanchito.

Depois, cada um de nós pode ajudar contribuindo para registar a presença da espécie – esta forma de ciência-cidadã pode ser muito eficaz na cobertura de um território que não tem monitorização.

Finalmente, existem cada vez mais ações de voluntariado para controlo e erradicação de espécies invasoras, feitas com base em critérios científicos que asseguram a proteção do meio ambiente e a conservação das espécies nativas, mas também o bem-estar e eliminação de forma humana dos primeiros.

Três curiosidades:

O chanchito constituiu-se como invasor sobretudo em Portugal, com alguns casos registados no sul de Espanha. No entanto existem também populações invasoras estabelecidas no Chile, em áreas de clima mediterrâneo, onde parecem ter um importante impacto nas populações de anfíbios.

Apesar de não ser uma espécie de interesse comercial ou mesmo valorizada na pesca desportiva, este peixe já foi utilizado como alimento no interior do Algarve e Alentejo, o que terá acontecido algures na década de 1960. Nesses locais, o chanchito era capturado facilmente devido aos seus hábitos gregários e confecionado frito.

A complexidade de comportamentos sociais desta espécie, o processo de formação de hierarquias e de casais territoriais e a importância dos cuidados parentais pode abrir uma porta para o controlo biológico da espécie, através da manipulação da sua própria fisiologia. No âmbito dos trabalhos de investigação em curso sobre esta espécie, crê-se que existem condicionantes hormonais que mantêm o comportamento parental sem o qual os alevins (peixes juvenis) seriam facilmente predados.

Se conseguirmos de alguma forma alterar estas e outras comunicações entre chanchitos, poderemos contribuir para uma redução do seu recrutamento (sobrevivência dos peixes mais jovens). Outras possibilidades passam pela criação de armadilhas para capturar peixes em que o isco sejam feromonas de atração, ou pela libertação de machos que sejam muito mais dominantes e atrativos para as fêmeas, mas que sendo esterilizados vão reduzir o número de casais férteis, etc.


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica, o lucioperca, o caranguejo-azul, a ludevígia-rastejante, o jacinto-aquático, a íbis-sagrada, o mosquito-tigre-asiático, a pinheirinha-de-água, o visão-americano, a bisnaga, tartaruga-da-Flórida, ganso-do-egipto e a sanguinária-do-japão.