Macho. Foto: Ximo Galarza

Torne-se um perito: a toutinegra-de-barrete

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O canto melódico da toutinegra-de-barrete faz parte da banda sonora de muitos dos nossos bosques e jardins. Sonia Neves, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, explica-lhe tudo o precisa de saber sobre esta toutinegra, uma das espécies-alvo do Censo de Aves Comuns.

Esta ave pequena mas robusta tem as partes superiores cinzento-pardas e as partes inferiores de um cinzento-azeitona-claro, mas a característica que mais facilmente permite identificá-la é o barrete que lhe dá o nome: preto nos machos adultos, castanho-arruivado nas fêmeas e juvenis. Este barrete é pequeno, cobrindo apenas o topo da cabeça: não passa da parte superior do olho. As suas patas e bico são cinzentos, e, ao contrário da toutinegra-dos-valados, a toutinegra-de-barrete não tem branco na cauda. 

Fêmea. Foto: Alberto Garcia
Macho. Foto: Ximo Galarza

O seu canto harmonioso e agradável começa com um chilreio hesitante e torna-se aflautado e melodioso. Já os chamamentos desta ave fazem lembrar o bater de teclas de uma máquina de escrever.

[Canto de um macho gravado por Uku Paal, disponível também no portal xeno-canto .]

[Chamamento gravado por Aaron Dreißigacker, disponível também no portal xeno-canto.]

Esta é uma ave comum em Portugal continental, nos Açores e na Madeira. Observa-se durante todo o ano, sobretudo em bosques, parques e jardins com muitas árvores e arbustos. No inverno ocorre também nos olivais, onde é uma das espécies mais ameaçadas pela apanha noturna mecanizada de azeitona: mais de 50% das aves apanhadas pelas máquinas são toutinegras-de-barrete. No continente, na primavera-verão a espécie é mais comum no Norte.

No nosso país ocorrem várias subespécies de toutinegra-de-barrete. Algumas toutinegras-de-barrete da subespécie nominal (atricapilla) vêm a Portugal Continental passar o inverno, vindas da Europa Ocidental e Central, enquanto outras apenas por aqui passam a caminho dos territórios de invernada em África. A chegada destas visitantes aumenta os números de toutinegra-de-barrete no sul do país no outono e inverno, aumentando a probabilidade de as observar. 

Nos Açores, as toutinegras-de-barrete são conhecidas por toutinegra-dos-açores, avinagreira ou touto-vinagreiro. São residentes no arquipélago e pertencem à subespécie gularis (que também ocorre em Cabo Verde). Já as da subespécie heineken vivem durante todo o ano tanto em Portugal Continental  como na Madeira (onde a espécie é conhecida apenas por toutinegra) e nas Canárias. 

Macho de toutinegra-de-barrete. Foto: Agustin Povedano

As toutinegras-de-barrete que ocorrem na Madeira e nos Açores têm alguma propensão para o melanismo: condição em que o corpo do animal produz mais melanina, o pigmento responsável pelo tom preto da pele, pêlo ou, no caso das toutinegras, das penas. As toutinegras-de-barrete melânicas são mais escuras, e o preto do barrete estende-se pela cabeça abaixo, deixando de ter limites tão bem definidos.

Nas Ilhas, o tamanho mais habitual das posturas é de 3 a 4 ovos, embora ocasionalmente possam pôr 5 ou 6 ovos. Talvez daí tenha surgido uma lenda popular na Madeira: dizia-se que quando a toutinegra tem uma postura de 5 ovos, o quinto ovo a ser posto daria origem a um individuo melânico.

A nível global, a União Internacional para a Conservação da Natureza classifica o estatuto de conservação desta espécie como Pouco Preocupante, e os dados mostram que as suas populações na Europa (que representam cerca de 80% da população mundial) estão a aumentar.

Esses dados parecem refletir-se pelo menos em parte do nosso país: segundo o mais recente relatório do Censo de Aves Comuns, em Portugal Continental a toutinegra-de-barrete é uma das 3 espécies de meios florestais que mostram uma tendência de crescimento populacional na última década (as outras são o pisco-de-peito-ruivo e o pombo-torcaz). Nos Açores, no entanto, esta é uma das duas espécies que apresentaram declínio moderado nos últimos anos (juntamente com a codorniz).


Saiba mais.

O Censo de Aves Comuns é um programa de monitorização a longo prazo de aves comuns que nidificam em Portugal e dos seus habitats. Cada voluntário precisa de disponibilizar aproximadamente duas manhãs do seu tempo, para participar. Realiza-se em todo o país: em Portugal Continental e na Madeira, de 1 de Abril a 31 de Maio; nos Açores, entre 15 de Abril e 15 de Junho.

Entenda aqui como pode participar. E recorde os resultados do último censo, que indicam que aves comuns como as andorinhas-das-chaminés e os cucos estão a diminuir em Portugal.


Conte as Aves que Contam Consigo

A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.