Abelharuco. Foto: Wolfgang Vogt/Pixabay
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Tudo o que precisa de saber para se iniciar na contagem de aves

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A primeira reação de muitas pessoas que nunca ouviram falar em censos de aves é a estranheza. Como se contam? Joana Domingues, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), explica-lhe para que serve esta actividade e como dar os primeiros passos.

Na maioria das vezes, as aves andam lá longe, ou estão escondidas, ou são demasiado rápidas para as conseguirmos ver com alguma precisão. Mas na verdade é possível fazê-lo e há algumas técnicas que ajudam.

Desde logo, a prática e a atenção são a base de tudo. E se alguns censos de aves requerem graus de conhecimento muito especializado, muitos outros abertos à participação cidadã não requerem muita experiência. Para quem está a começar, podem ser uma forma de ir treinando e despertando para o que o rodeia.

Mas há uma pergunta que surge muitas vezes: qual é a utilidade dos censos? Os dados recolhidos nestas ações são muito importantes para os cientistas e ornitólogos, que não têm forma de estar em todo o lado. A informação recolhida é a base do trabalho das entidades que trabalham na preservação de espécies, pois ajuda a avaliar a evolução das populações e a analisar aquelas que necessitam de estudos mais aprofundados. Só assim se tomam decisões informadas e se determinam que espécies necessitam de medidas de conservação mais urgentes.

Se quer ser um cidadão ativo pela natureza, damos-lhe algumas dicas de por onde deve começar:

Como posso identificar uma ave?

Um rapaz olha para o céu por um par de binóculos
Foto: SPEA

Quando observa alguma ave que desconhece, é importante que faça algumas perguntas rápidas a si próprio: 

É do tamanho de um pardal, de um melro ou de um pombo?

A maioria dos guias de aves indicam o comprimento de cada espécie, mas isso poderá ser difícil de estimar quando fizer as primeiras observações. Nestes casos, uma boa ajuda é comparar mentalmente a espécie que está a observar com uma que conheça bem. 

Tem asas muito compridas?

Nalguns casos, como acontece com as aves de rapina, tanto a envergadura de asas (medida da ponta de uma asa à ponta da outra) como o tipo de voo (planado versus batimento de asas contínuo, por exemplo) podem ser mais uma ajuda preciosa para saber que espécie está a ver.

Águia-real (Aquila chrysaetos). Foto: Juan Lacruz / Wiki Commons
Chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus). Foto: Charles J. Sharp

Qual a forma?

É esguia ou “rechonchuda”? Tem a cauda bifurcada? O bico é fino ou grosso, curvo ou direito? As patas são compridas ou curtas? O pescoço é comprido? A silhueta da ave em voo pode ajudar a identificá-la, e a forma do corpo, bico e patas são também pistas úteis.

Qual a cor ou cores?

A cor da ave, e sobretudo manchas de cor diferente, são muito úteis na identificação. Mas é bom não esquecer que em muitas espécies as cores variam com o sexo, a idade ou mesmo com a época do ano, e que as condições de luz podem enganar.

Ouviu o  canto da ave?

À medida que vai ganhando experiência, começará certamente a reconhecer o canto e os chamamentos de algumas espécies. Se puder acompanhar ornitólogos mais experientes, eles vão abrir-lhe certamente as portas para um novo mundo de identificação de aves. No site xeno-canto pode ouvir gravações de inúmeras espécies, feitas por observadores.

Houve algum comportamento que se destacou?

Algumas aves têm comportamentos inconfundíveis: depois de os ver uma vez, nunca mais terá dúvidas. A forma como as trepadeiras caminham pelos troncos das árvores ou o abanar de cauda de uma alvéola vão passar a saltar-lhe à vista para rapidamente ajudar na identificação.

Trapadeira-comum (Certhia brachydactyla). Foto: Jac. Janssen / Wiki Commons

Quando e onde observou a ave?

A época do ano e o local onde avista uma ave podem ser igualmente cruciais para a identificar. Algumas espécies apenas ocorrem nalgumas zonas do nosso país, preferem determinados habitats ou só nos visitam no inverno, por exemplo.

Continuar sempre a treinar!

A melhor forma de aprender a identificar aves é ir para o campo. Mas nas alturas em que não puder, um recurso útil pode ser o site BirdID, que permite treinar-se com fotos e sons, e até fazer um teste e obter um certificado.

Código de conduta de um observador de aves

Guarda-rios (Alcedo atthis). Foto: LubosHouska / Pixabay

Não se esqueça de que o bem-estar das aves é sempre mais importante do que a nossa vontade de as observar. 

  • Evite perturbar as aves, sobretudo quando estão junto aos seus ninhos
  • Não tenha atitudes que alterem o comportamento das aves
  • Informe e denuncie se detetar alguma atividade suspeita
  • Deixe o local pelo menos tão limpo como o encontrou

Como contar?

Bando de guinchos-comuns (Chroicocephalus ridibundus). Foto: Georg Wietschorke / Pixabay

Se estivermos a observar um bando pousado, o “truque” será garantir um bom ponto de observação, e fazer-se uma aproximação lenta e gradual para não assustar ou perturbar as aves. Manter a distância suficiente para estas se sentirem confortáveis é importante. E tenha em atenção que algumas podem ficar “escondidas”, por estarem uma atrás de outra ou numa posição diferente – com a cabeça recolhida atrás das costas, por exemplo.

Já nos bandos em voo, pode ser necessário fazer várias contagens e esperar pelo momento certo para contar, se se tratar de um bando que está a voar em nosso redor. Quando se tratam de bandos de maior dimensão, aliás, pode ser preciso estimar o número de aves. Para uma melhor estimativa desses números, podemos por exemplo contar grupos de aves em vez de indivíduos, de acordo com a dimensão total do bando. Mas é preciso muito treino e ir repetindo contagens do mesmo bando até haver pouca variação entre contagens consecutivas. 

Da mesma forma, contar aves pelo canto também requer muita prática: além de conhecermos bem os cantos de cada espécie, é necessário desenvolvermos a nossa percepção da direção e distância a que cada ave se encontra. Ajuda se nos concentrarmos numa espécie de cada vez, focando a nossa atenção primeiro nas que estão mais vocais ou são mais numerosas.

Como reportar as observações

Coruja-das-torres (Tyto alba). Foto: Carlos Delgado/WikiCommons

Para registar as espécies que observou, aconselhamos a plataforma PortugalAves/eBird. Aqui pode anotar as aves que observa, guardar sons e fotos, e descobrir o que outros observadores por todo o mundo estão a ver. Pode inclusive receber alertas quando uma espécie interessante for avistada perto de si!

Ao compilar os dados, esta plataforma torna-os mais acessíveis aos cientistas, permitindo que sejam usados em inúmeros projetos de investigação e de conservação. 

Equipamento útil para observar aves 

Foto: Becky Perren/Pixabay

Para se iniciar neste desafio, vai precisar de algum equipamento básico. Os binóculos são fundamentais, uma vez que é necessário procurar as aves, e não é muitas vezes possível identificá-las a olho nu.

Necessita também de um guia de identificação. Existem alguns muito completos no mercado, como por exemplo o “Guia Aves de Portugal” ou o “Guia de Aves de Portugal e da Europa”. Se quiser um mais focado em Portugal Continental e Ilhas, o ideal é o primeiro. O segundo destes guias será uma boa opção para distinguir diferentes plumagens (consoante a idade e as épocas do ano) ou então para o caso de planear voos mais altos, já a pensar na Europa.

Não se esqueça de levar também um caderno de campo para registar o que observou e tirar notas. Dependendo do local para onde vai e da época do ano, deverá levar roupa adequada e água. 

Participe!

Os censos com participação cidadã são uma excelente forma de contribuir para a ciência não só a nível nacional, mas também num nível mais internacional. Participar num censo de aves é contribuir para aferir o estado das populações e das espécies: quanto mais cidadãos participarem, mais robustos serão os dados e melhores conclusões podem tirar-se, para implementar ações de conservação e tomar decisões políticas. São também uma excelente desculpa para passar mais tempo na natureza e contribuir para a melhoria do seu bem-estar. Aceite o desafio, agarre nos seus binóculos e venha contar aves! 


Conte as Aves que Contam Consigo

A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.