Chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus)

António Cruz faz contas às aves do Parque da Devesa

No dia-a-dia, António Cruz, 40 anos, passa horas a confirmar saldos e balanços e a lidar com activos e passivos. Nos momentos livres, este auditor também continua a fazer contas, mas de outra natureza: identifica e regista as aves que observa no Parque da Devesa, em Vila Nova de Famalicão.

 

Foi no Verão de 2013, poucos meses depois da inauguração, que António Cruz conheceu este Parque e decidiu começar a fazer visitas regulares e a registar as aves que aí encontrava. Tudo para satisfazer um gosto pessoal que não parava de crescer e para dar a conhecer as espécies que observava neste espaço verde com cerca de 27 hectares.

 

Chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus)
Chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus)

 

Aliás, confessa que logo na primeira visita ao Parque da Devesa ficou “agradavelmente surpreendido” com o que encontrou: “As águas do Rio Pelhe, avançando em pequenas cascatas, dando vida à vegetação diversa ao longo das margens e alimentando um lago artificial, as zonas de prado e as zonas arborizadas (carvalhos, choupos, salgueiros, sobreiros…), formavam uma pintura natural que fazia acreditar que o Parque poder-se-ia revelar um importante porto de abrigo (permanente, sazonal ou ocasional) para muitas espécies de aves”, descreve à Wilder.

 

Garça-real (Ardea cinerea)
Garça-real (Ardea cinerea)

 

Até agora, nas 51 visitas de observação que fez ao espaço – 49 diurnas e duas nocturnas – já registou 74 espécies de aves diferentes. O resultado é dado a conhecer na página “Avifauna do Parque da Devesa”, no Facebook, e no blogue com o mesmo nome, onde divulga ainda algumas das centenas de fotografias que já tirou.

É que não é apenas a identificação das espécies que o move, mas também as imagens que vai captando. “Cada novo registo efetuado foi um momento particularmente marcado pelo sentimento de sorte e de realização, sobretudo em alguns casos totalmente inesperados”, sublinha.

 

Chapim-azul (Parus caeruleus)
Chapim-azul (Parus caeruleus)

 

Foi o que aconteceu em Agosto de 2014. Ainda de manhã muito cedo, e por entre a neblina que pairava sobre o lago, identificou uma garça-vermelha (Ardea purpurea).

“Inicialmente, devido às fracas condições de visibilidade, apenas admiti tratar-se da garça-real (Ardea cinerea), que já tinha sido vista antes, mas passados largos minutos de observação atenta e de comparação com as características apresentadas no guia de aves foi confirmada a grande surpresa. Uma das fotografias tiradas aquando da partida da garça-vermelha serviu de inspiração ao logotipo criado para o projecto.”

 

Garça-vermelha (Ardea purpúrea)
Garça-vermelha (Ardea purpúrea)

 

Um mês depois, nova surpresa, quando viu e fotografou uma espécie que desconhecia. “Surgiu do meio da vegetação, na margem do rio, e poisou por instantes a uma curta distância, permitindo apenas o seu registo fotográfico.”

A ave foi identificada com a ajuda de especialistas no fórum das aves: a cigarrinha-malhada (Locustella naevia), considerada “uma das espécies mais difíceis de se observar em campo”.

 

Cigarrinha-malhada (Locustella naevia)
Cigarrinha-malhada (Locustella naevia)

 

António destaca também um casal de viúvas-de-cauda-comprida (Vidua macroura) que lhe ficaram na memória, pela forma como as aves se comportaram quando ele, pensando estar escondido, fotografava o macho que se alimentava no prado. “Passados alguns minutos, ouvi um canto de alarme da fêmea, no cimo de uma árvore. O macho imediatamente se baixou e ficou imóvel. E então a fêmea, numa autêntica algazarra, sobrevoou-me e distraiu-me por escassos segundos. Quando procurei de novo o macho, já tinha fugido. Fugiram os dois…”, sorri.

Gosta de lembrar também um casal de bicos-de-lacre (Estrilda astrild), em pleno namoro, que encontrou um dia. “A aproximação, o distanciamento, a hesitação, o atrevimento, o encantamento, os carinhos, os beijinhos, tudo expressado por dois pequenos seres.”

Actualmente, os passeios no Parque da Devesa e as 74 espécies de aves que aí já encontrou são acompanhados por cerca de 860 pessoas, apoiantes na página do Facebook, além de algumas centenas que têm visitado o blogue. Já realizou também dois eventos “Ao encontro das aves”, nos quais todos aqueles que acompanham o projecto podem participar em observações de grupo, e que pretende continuar.

 

Fuinha-dos-juncos (Cisticola juncidis)
Fuinha-dos-juncos (Cisticola juncidis)

 

Esses são alguns dos ganhos que enumera, quando questionado sobre o balanço destes quase três anos.

E recorrendo à linguagem de auditor, o que regista no lado do passivo? “No lado do passivo [ou seja, dos compromissos ou dívidas por cumprir], apenas há a registar o compromisso assumido de busca contínua de mais e melhor”, remata enquanto, entusiasmado, planeia já novas visitas.

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

Está a pensar em conhecer o Parque da Devesa? António Cruz indica-lhe cinco espécies de aves que pode começar por procurar neste espaço, entre as 74 já registadas.

 

Guarda-rios (Alcedo athis): espécie residente, relativamente fácil de se observar junto ao lago ou no rio, mas que curiosamente muitos frequentadores do Parque desconhecem. Proporciona sempre belos momentos, seja pelas suas “corridas de velocidade”, pelos seus mergulhos picados para apanhar peixes ou pela beleza das suas cores.

Peneireiro (Falco tinnunculus): espécie residente, pode ser observada sobrevoando o parque à procura de pequenos roedores ou insetos ou pousada nos ramos de árvores altas.

Peto-real (Picus viridis): espécie residente, observada nos prados, procurando formigas no solo, ou agarrado aos troncos de árvores de grande porte. O seu canto é audível a longa distância.

Torcicolo (Jynx torquilla): espécie estival, bastante discreta, observada em zona de vegetação baixa e seca, onde procura alimento – formigas.

Narceja-comum (Gallinago gallinago): espécie invernante, frequenta habitualmente as margens do rio e, por vezes, também as do lago. Passa facilmente despercebida entre a vegetação mas quando é espantada, levanta em voo rápido.

 

Saiba mais sobre a biodiversidade do Parque, nomeadamente que espécies foram ali registadas durante o Bioblitz de Inverno, realizado a 24 de Janeiro.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.