Foto: Rui Félix

Cinco coisas que ficámos a saber graças aos Censos de Borboletas de Portugal

Os dados recolhidos no âmbito desta iniciativa de ciência cidadã já permitiram chegar a vários resultados interessantes. Com a ajuda de Eva Monteiro, que coordena este projecto, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas descobertas.

Entre 2019 e 2022, quase uma centena de contadores de borboletas diurnas registaram mais de 43.000 destes insectos em território continental, de norte a sul do país. Eva Monteiro, coordenadora deste projecto, indicou à Wilder alguns resultados curiosos destas contagens, que vão ser debatidos num encontro em Avis.

1. A borboleta-loba tem sido a mais contada

Borboleta-loba (Maniola jurtina), em Vilarinho. Foto: Rui Félix

Desde 2019, quando tiveram início as contagens de borboletas de norte a sul do país, a espécie com mais registos tem sido a borboleta-loba (Maniola jurtina), com um total de 5145 borboletas contadas. Esta é uma espécie observada “um muitos sítios, mesmo nalgumas zonas urbanas”, que “é muito comum nos locais onde ocorre”, nota Eva Monteiro, da associação Tagis, que organiza este projecto em parceria com o cE3c, um centro de investigação ligado à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Além do mais, a borboleta-loba “começa a voar em Maio, numa altura em que as pessoas também começam a ir mais para o campo”, nota esta responsável.

A segunda espécie mais observada é até agora a borboleta malhadinha (Pararge aegeria), que pode ser vista “por todo o país” e habita “tanto em ambientes urbanos como nas áreas naturais”. Seguem-se a borboleta napi (Pieris napi), também chamada de borboleta-do-nabo – espécie que motivou “um caso extraordinário em 2020” – e a borboleta-pequena-da-couve (Pieris rapae). Esta última foi em Espanha a borboleta mais contada entre 2015 e 2021. Em quinto-lugar, surge a borboleta-grande-da-couve (Pieris brassicae), tal como a anterior uma espécie mais comum em zonas urbanas.

2. Houve uma “explosão” de borboletas napi na Quinta da Peninha

Borboleta napi ou borboleta-do-nabo (Pieris napi), na Mata do Desterro. Foto: Albano Soares

Na Quinta da Peninha, gerida pelo município de Cascais, Diogo Silva (Cascais Ambiente) contou quase 800 borboletas-napi (Pieris napi) em 2020. Esta “explosão” foi “um caso extraordinário”, nota Eva Monteiro, que adianta que por vezes ocorrem grandes concentrações de borboletas destas, também chamadas de borboletas-do-nabo, que podem ser vistas a libar no solo (como na fotografia): estão a sugar sais minerais da terra, uma vez que não os conseguem obter através do néctar das flores, explica esta especialista em insectos. Tal como as borboletas-das-couves a borboleta-napi pertence à família das Pieridae, pelo que as suas lagartas alimentam-se de couves e outras crucíferas, como acontece com a maioria dos membros deste grupo.

3. Encontrada uma borboleta ameaçada na Serra da Estrela

Satírio-negro (Satyrus actaea). Foto: Albano Soares

A borboleta satírio-negro (Satyrus actaea), uma borboleta ameaçada que já tem um lugar reservado na futura Lista Vermelha dos Invertebrados de Portugal Continental, devido ao facto de ser tão rara e estar em risco, foi observada uma única vez no âmbito das contagens, em 2022.

Esta espécie “só existe no planalto da Serra da Estrela, numa população muito localizada”, indica Eva Monteiro, que adianta que foi encontrado um exemplar no transacto do Vale das Éguas. Este percurso fixo é desde o ano passado regularmente percorrido por vigilantes de natureza do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), no âmbito de uma colaboração que esta entidade reguladora tem com os Censos de Borboletas de Portugal. “É preciso vermos agora ao longo dos próximos anos, no mesmo transecto, se são observadas mais borboletas desta espécie.”

4. Serapicos, em Trás-os-Montes, tem a maior diversidade de espécies

Transecto de Serapicos, no concelho de Vimioso. Foto: Rui Félix

Ângela Cordeiro, que trabalha para a autarquia de Vimioso e para o PINTA – Parque Ibérico Natureza e Aventura, gerido pelo município, encontrou em 2021 e 2022 um total de 61 espécies diferentes de borboletas no transacto de Serapicos, que ganha assim o prémio de maior diversidade nestas contagens. Com efeito, a zona do Nordeste Transmontano, onde se situa Serapicos, é a região do país com mais diversidade de borboletas, nota Eva Monteiro, que descreve este como “um sítio muito bonito, atravessado por um rio, e que abrange diferentes habitats, como lameiros, uma zona de carvalhal e um mosaico agrícola”. Ou seja, com esta diversidade de ambientes ficam criadas as condições ideais para se encontrarem diferentes borboletas num transacto. Ao todo, já aqui foram registados um total de 1905 indivíduos.

5. Sete percursos de monitorização mantêm-se desde 2019

Transecto da Serra da Carregueira, em Sintra. Foto: Eva Monteiro

Ao todo, no âmbito dos Censos de Borboletas de Portugal, funcionam hoje 61 transectos. Dos nove que tiveram início em Maio de 2019, quando começou o projecto, mantêm-se sete percursos que têm contagens regulares, adianta Eva Monteiro. Entre estes, conta-se um transecto da Carregueira, na Serra de Sintra, que regularmente é assegurado por uma cientista-cidadã, Raquel Eiró. Feitas as contas Raquel contou no total, entre 2019 e 2022, um total de 1096 borboletas, de 32 espécies.

Um dos grandes desafios dos Censos de Borboletas de Portugal, aliás, é manter a regularidade das contagens ao longo dos anos. “São necessárias pelo menos 10 contagens num transecto, no espaço de um ano”, indica a coordenadora, que explica que nestas contagens participam essencialmente quatro grupos de pessoas: cientistas-cidadãos que se envolvem a nível individual, como é o caso de Raquel Eiró; técnicos de autarquias e entidades municipais; técnicos de organizações não governamentais; vigilantes de natureza do ICNF, “que incluem nas suas tarefas a contagem de borboletas”.

Um dos grandes objectivos desta iniciativa, integrada no esquema europeu de monitorização de borboletas diurnas, é avaliar qual é a situação deste grupo de insectos em Portugal, no que respeita à sua conservação. A necessidade de acumular dados que permitam aos cientistas analisarem a evolução das diferentes espécies ao longo do tempo, fazendo uma análise mais fiável do que se passa, obriga a que haja pelo menos 10 anos de monitorização regular. “Já estamos quase a meio desse percurso”, congratula-se Eva Monteiro, de olhos postos na informação valiosa que será obtida com as contagens.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.