Foto: Laura Åkerblom/Pixabay

Como celebrar um Natal com plantas nativas?

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Na série “Abra espaço para a natureza”, Carine Azevedo responde às dúvidas que temos quando pensamos em tornar um espaço mais amigo do mundo natural.

O Natal aproxima-se e é inevitável sentir a magia que envolve esta época do ano, transportando-nos para uma viagem pelas tradições que perduram ao longo dos séculos.

As cores e aromas das plantas desempenham um papel fundamental na criação de uma atmosfera acolhedora e festiva. Portugal, com a sua rica biodiversidade, possui uma variedade de plantas nativas que foram e ainda são utilizadas para celebrar o Natal.

Vamos explorar a ligação entre as tradições natalícias e a exuberância botânica que caracteriza o nosso país.

A árvore de Natal: o pinheiro, o sobreiro e os carvalhos

Em muitos lares portugueses, a árvore de Natal é o ponto focal da decoração. Seja artificial ou natural, não pode faltar nesta época de luz e de cor.

O pinheiro-bravo (Pinus pinaster), o pinheiro-manso (Pinus pinea) e o pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris) são particularmente populares. O aroma fresco e resinoso característico destas árvores enche as casas, proporcionando uma sensação única de Natal.

Pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris). Foto: Sheila Sund/Wiki Commons

O sobreiro (Quercus suber) e os carvalhos (Quercus sp.) são árvores que têm lugar especial no coração dos portugueses. Em muitas regiões do país são os ramos de carvalho e de sobreiro que substituem o típico pinheiro de Natal.

Embora não seja uma espécie nativa, o abeto (Abies sp.) é outra das escolhas populares.

A magia do presépio e a tradição botânica do Natal

Para muitas famílias portuguesas o presépio é a peça central nas celebrações natalícias, onde muitas plantas ajudam a criar um ambiente natural e simbólico neste elemento tão importante para a tradição cristã.

Entre essas plantas destaca-se o musgo, que confere uma autenticidade única ao presépio. Em Portugal existem várias espécies de musgos que são tradicionalmente utilizadas para esse fim, como o musgo-trançado-comum (Hypnum cupressiforme), o musgo-capuz-vulgar (Orthotrichum tenellum), o musgo-sedoso-penado (Homalothecium sericeum), o musgo-rabo-de-gato (Leucodon sciuroides) e o musgo-parafuso-de-pêlo (Syntrichia laevipila).

Musgo-trançado-comum (Hypnum cupressiforme). Foto: Alexis/Wiki Commons

O musgo é um elemento versátil que complementa a beleza das outras plantas utilizadas na composição dos presépios, contribuindo para a sua harmonia, riqueza simbólica e estética. Mais adiante no texto, explico porque se deve ter um cuidado especial com este grupo de plantas, incentivando a práticas responsáveis para a sua preservação em ambiente natural.

Materiais como a palha e o feno, obtidos de plantas de diversos géneros botânicos, tais como Agrotis, Triticum e Hordeum, por exemplo, simbolizam os campos de cultivo e a manjedoura.

Além disso, os raminhos de pinheiro (Pinus sp.), de abeto (Abies sp.), de oliveira-brava (Olea europaea subsp. europaea var. sylvestris), de teixo (Taxus baccata), de carvalho (Quercus sp.) ou de cipreste (Cupressus sempervirens) podem ser utilizados para representar árvores no presépio.

Teixo (Taxus baccata). Foto: Marzena P./Pixabay

Adicionalmente, as pinhas e as bolotas de algumas destas espécies e as pequenas flores amarelas da perpétua-das-areias (Helichrysum italicum subsp. picardi), as flores brancas da urze-lusitana (Erica lusitanica) e as flores rosadas ou roxas da torga (Calluna vulgaris) são exemplos de plantas que proporcionam um toque autêntico de cor, aroma envolvente e beleza singular ao presépio.

Perpétua-das-areias. Foto: Duarte Frade

Um toque de verde e vermelho nas decorações: azevinho, gilbardeira e medronheiro

Além da árvore e do presépio, muitas famílias adotam outras plantas decorativas para decorar espaços interiores e exteriores. O azevinho (Ilex aquifolium), de folhas verde-escuras e frutos vermelhos brilhantes, é uma escolha clássica, uma vez que é considerado um símbolo de sorte, proteção e renovação.

A gilbardeira (Ruscus aculeatus), conhecida pelas suas folhas picantes e pelos seus frutos vermelhos, também é muito vezes incorporada nos arranjos florais que adornam as portas e as mesas durante o Natal. Não possui um simbolismo tão difundido como o azevinho, é vista como símbolo de resistência, durabilidade, proteção e sorte. Como o azevinho, esta é uma planta igualmente protegida.

Gilbardeira (Ruscus aculeatus). Foto: Dominicus Johannes Bergsma/Wiki Commons

É importante destacar que tanto o azevinho como a gilbardeira são espécies protegidas, pelo que, ao incorporá-las nas decorações natalícias, é crucial garantir a sua proveniência legal e adotar práticas sustentáveis que promovam a preservação destas espécies emblemáticas. 

Em algumas regiões do país, o medronheiro (Arbutus unedo) e o pilriteiro (Crataegus monogyna), com os seus frutos vermelhos característicos, adicionam um toque regional e tradicional às decorações de Natal. 

Também o visco (Viscum album), planta hemiparasita, é utilizado nas decorações de Natal na Europa, onde é tradição pendurar esta planta na porta durante a época festiva, como símbolo de boa sorte.

Em Portugal, essa tradição não é muito comum, sobretudo porque esta planta está avaliada como Criticamente Em Perigo, potencialmente regionalmente extinta, segundo as categorias da IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza e conforme consta da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, uma vez que, nas várias prospeções realizadas recentemente, não se encontraram exemplares em ambiente natural.

A estrela-de-Natal (Euphorbia pulcherrima) ou poinsettia, é uma planta tropical que se tornou presença comum nas decorações de Natal em Portugal. É conhecida pelas suas brácteas vermelhas – folhas modificadas – que se assemelham a pétalas, e que contrastam com o verde-escuro das folhas verdadeiras, adicionando um toque exótico à tradição. A forma da planta, que se assemelha a uma estrela, é vista como uma representação simbólica da Estrela de Belém, segundo a tradição cristã.

Foto: Alejandro Bayer Tamayo/Wiki Commons

Plantas nativas na ceia de Natal: frutos secos, azeite e ervas aromáticas

A celebração do Natal vai além da decoração, envolvendo uma grande variedade de sabores tradicionais que refletem a diversidade botânica à mesa.

Os frutos secos desempenham um papel de destaque nas celebrações. Embora nem todos sejam provenientes de espécies nativas, as nozes (Juglans regia), as avelãs (Corylus avellana), os pinhões (Pinus pinea), as amêndoas (Prunus dulcis), os cajus (Anacardium occidentale), pistácios (Pistacia vera) e amendoins (Arachis hypogaea) são presenças comuns nas mesas festivas. Oferecem uma explosão de sabores e texturas e que complementam alguns pratos tradicionais, como o bolo-rei, os mexidos, o bolo-rainha, o bolo-de-mel da Madeira, os doces conventuais, entre outros.

Aveleira (Corylus avellana). Foto: AnRo0002/Wiki Commons

Também as frutas desidratadas, como as uvas-passas (Vitis vinifera), as ameixas (Prunus domestica), as tâmaras (Phoenix dactylifera), os figos (Ficus carica) e os damascos (Prunus armeniaca) são populares nas mesas de Natal em Portugal.

O azeite, produzido a partir da oliveira (Olea europaea), é outro elemento-chave na mesa de Natal, na confecção de variadíssimos pratos típicos, tanto salgados como doces. É uma parte essencial da tradição “molhar o pão em azeite” às refeições, com o pão tradicional português.

As ervas aromáticas também são parte integrante das receitas natalícias. O alecrim, o alho, a salsa, o tomilho e o louro são frequentemente adicionados aos mais variados pratos. As suas fragrâncias distintivas acrescentam um toque perfumado e fresco ao Natal, elevando os sabores de cada prato.

Sustentabilidade e tradição: preservar o espírito natalício e a natureza

Apesar da tradição do Natal promover o uso das mais diversas plantas nativas, é essencial destacar a importância da sua preservação na natureza.

A recolha descontrolada de muitas destas espécies pode ter impactos negativos nos ecossistemas locais, afetando a biodiversidade e comprometendo a saúde dos habitats naturais.

Para promover um Natal mais sustentável, é crucial incentivar práticas responsáveis, e ter em consideração o seguinte:

– A árvore de Natal pode resultar de ações de desbaste e limpeza de áreas florestais. São vários os municípios que promovem campanhas de distribuição destas pequenas árvores. Estas ações de limpeza desempenham um papel crucial na promoção do equilíbrio da floresta e evitam o corte indiscriminado e desordenado de árvores, o que por sua vez contribui significativamente para a preservação da saúde das florestas nacionais e para a redução do risco de incêndio.

– Depois da época festiva pode recuperar a sua árvore de Natal. Pode transformá-la em composto para mais tarde utilizar no jardim, ou simplesmente aproveitar as agulhas para as colocar diretamente sobre o solo para o proteger do frio. Se tiver uma lareira pode reciclar os ramos para lenha.

– Se optar por comprar uma planta enraizada e em vaso, não a abandone no final da época festiva. Tente preservá-la para o próximo Natal, ou procure um local que a possa receber para que seja plantada em ambiente natural. Alguns municípios oferecem-se para recolher as árvores de Natal ou incentivam as pessoas a deixá-las em locais próprios, para que possam ser plantadas em jardins, parques e outros espaços verdes.

– O azevinho, devido à colheita intensa a que foi sujeito no passado, encontra-se protegido pelo Decreto-lei 423/89 de 4 de dezembro, que proíbe o arranque, o corte total ou parcial, o transporte e a venda de azevinho em todo o território do continente.

Azevinho (Ilex aquifolium). Foto: jacinta lluch valero/Wiki Commons

– A gilbardeira, devido à procura e colheita excessiva na natureza, também possui um estatuto de proteção especial, integrando a Directiva Habitats 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e de fauna e da flora selvagens.

– O musgo, com a sua textura suave e cor vibrante, é uma adição valiosa nas decorações, no entanto, é fundamental compreender a sua importância ecológica e a necessidade de o preservar na natureza. O musgo é um componente essencial para os ecossistemas, desempenhando um papel fundamental na absorção de água, na filtração do ar e no fornecimento de habitat a diversas espécies. Além disso, cresce lentamente, levando muito anos para atingir a sua plenitude. Por tudo isso, é crucial incentivar práticas responsáveis, como a compra de musgo cultivado, em vez da recolha selvagem.

Musgo e cogumelos. Foto: Andreas/Pixabay

Uma das vantagens notáveis do musgo é a sua capacidade de ser conservado para uso futuro, por isso, não o deite fora. É possível mantê-lo bonito e saudável de um ano para o outro, sendo para isso necessário: guardar o musgo em caixas ou sacos de papel para permitir a respiração e evitar o desenvolvimento de fungos; mantê-lo num local fresco e seco, com pouca luz; ocasionalmente, deve-se borrifar água sobre o musgo armazenado para garantir que este se mantém hidratado.

Ao adotarmos estas práticas, não só preservamos a beleza natural das plantas nativas, mas também promovemos uma abordagem sustentável que respeita a biodiversidade local.

Neste Natal, que o brilho e a magia das plantas nativas inundem os nossos lares com cores vibrantes, aromas envolventes e vida, renovando em cada um de nós o espírito natalício e o compromisso de preservar o meio ambiente, assegurando que as futuras gerações possam desfrutar da exuberância natural que tanto enriquece estes momentos festivos.

Na série Abra espaço para a natureza, encontrará mais alguma informação que ajudará na escolha das espécies e nos cuidados a ter com as suas plantas. E se explorar a série O que procurar: espécies botânicas, irá encontrar um vasto leque de espécies nativas que se poderão adequar às diferentes condições do seu jardim.

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