Foto: Sílvia Martins

Elódeas: Estas três plantas invasoras são um drama escondido nos rios e lagos de Portugal

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Entraram no país vindas de regiões diferentes do planeta, mas todas elas são um problema grave para a biodiversidade, a economia e a saúde pública. O alerta é feito por Hélia Marchante, Jael Palhas e Sílvia Martins, investigadores no Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e na Escola Superior Agrária de Coimbra, no âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua.

 

Que espécies são estas? 

As elódeas são plantas invasoras submersas, isto é, que vivem exclusivamente debaixo de água, enraizadas no fundo, e que causam sérios problemas aos nossos ecossistemas aquáticos. Facilmente passam despercebidas aos olhares dos cidadãos, pois todas as elódeas são “plantas verdes” com formas muito semelhantes, dificultando o seu reconhecimento, principalmente por quem não tem por hábito de olhar com cuidado para o que se passa dentro de água.

Quando nos debruçamos mais sobre elas, descobrimos que há três espécies diferentes: elódea ou elódea-comum (Elodea canadensis), elódea-densa (Egeria densa) e elódea-africana (Lagarosiphon major) que estão a invadir rios, ribeiras, lagos e charcos em diversos pontos do país, incluindo também nas Ilhas.

Apesar de terem nomes parecidos, a elódea-comum, a elódea-densa e a elódea-africana são plantas aquáticas submersas de géneros botânicos diferentes e oriundas também de regiões distintas do planeta: a primeira vem da América do Norte, a segunda da América do Sul e a terceira  da África do Sul.

No entanto, pertencem as três à mesma família, a das hidrocaritáceas. Curiosamente, esta é também a família de algumas das plantas aquáticas mais raras e ameaçadas em Portugal, como o poiso-das-rãs (Hidrocharis morsus-ranae), que está actualmente desaparecido do país e que é a espécie que dá o nome à família. Ou ainda as fitas (Vallisneria spiralis) e as naiades (Najas spp). Todas estas plantas nativas, ainda que pertençam à mesma família, têm um aspecto geral muito diferente das elódeas.

 

Como é que as conseguimos identificar?

Vale a pena pormos as mãos dentro de água e experimentar puxar as plantas para fora, para contarmos quantas folhas estão ligadas a cada nó do caule. É que tanto para identificar estas invasoras, como para as distinguir de espécies nativas a proteger, o segredo está no número de folhas que se ligam em cada nó!

As elódeas têm em comum o aspecto geral de cor verde-escura, formando tapetes densos debaixo de água, com ramos compridos, pouco ramificados, com folhas curtas, finas e translúcidas, mas que diferem precisamente no número de folhas por nós e na forma das folhas e das flores.

Destas três elódeas, a elódea-densa é a única com flores brancas grandes e facilmente visíveis ao longe (lembrando as flores dos ranúnculos-aquáticos, mas apenas com três pétalas) e a mais robusta e densa, com quatro ou cinco folhas por nó.

Em várias regiões onde foi introduzida (por exemplo, América do Norte e Nova Zelândia) só é referida a presença de plantas masculinas, sendo provável que o mesmo aconteça em Portugal. A grande capacidade invasora está associada essencialmente à reprodução vegetativa, formando fragmentos muito facilmente, dando origem a novas plantas.

Apenas consegue viver imersa em água doce, parada ou com pouco movimento, prefere temperaturas entre 15-17°C e tolera uma grande variedade de pH. É uma espécie de luz e, portanto, não tolera facilmente água sombreada o que pode ser explorado em termos do seu controlo.

 

Aspeto geral de uma área invadida por elódea-densa, revelando a densidade elevada que atinge tanto a superfície como em profundidade. Foto: Jael Palhas
Aspeto geral da elódea-densa em floração e com as folhas (4 ou 5) em cada nó ao longo do caule. Foto: Jael Palhas

 

Já a elódea- africana é das piores plantas invasoras submersas. É também a mais longa das três elódeas e com um aspecto geral que lembra cordas, com caules compridos crescendo em forma de “J” invertido e folhas fininhas e reviradas para trás. Tem apenas uma folha por nó.

Tem raízes adventícias e rizomas que fixam a planta ao substrato; o caule fragmenta-se facilmente, é pouco ramificado e curva-se em forma de “J” em direcção à base.

 

Aspeto geral da elódea-africana, evidenciando o aspeto das folhas encurvadas em direção ao caule, importante para a sua identificação. Foto: Sílvia Martins
Posicionamento das folhas ao longo do caule na elódea-africana. Apesar do pequeno tamanho dos entrenós poder causar alguma confusão na identificação, com cuidado observa-se que apenas uma folha está ligada a cada ponto do caule, ao contrário das outras duas espécies: elódea-comum (3 folhas/nó) e elódea-densa (4, 5 ou 6 folhas/nó). Foto: Jael Palhas

 

Quanto à elódea-comum é a mais pequena das três, formando tapetes não tão altos, e tem sempre três folhas por nó. Em Portugal estão descritas apenas plantas femininas o que leva a que a reprodução seja apenas vegetativa, quer a partir de pequenos fragmentos quer de turiões (gemas hibernantes). Os fragmentos muito pequenos são capazes de formar raízes a partir dos nós e começar a crescer originando uma nova planta.

 

Elódea-comum (Elodea canadensis), incluindo o aspeto geral da planta (no lado esquerdo da foto), detalhe da flor, e detalhe de um nó onde se podem observar 3 folhas ligadas no mesmo ponto, característica importante para identificação da espécie. Foto: Jael Palhas

 

Mais detalhes sobre a caracterização das três espécies de elódeas podem ser encontrados nos perfis das espécies, no portal Invasoras.pt

 

E as elódeas podem confundir-se com outras plantas?

Sim, podem ser facilmente confundidas com muitas outras espécies de plantas nativas que vivem debaixo de água e que têm funções vitais para muitos organismos aquáticos. A que se confunde mais facilmente com as elódeas é a serralha-de-água (Groenlandia densa), mas tem apenas duas folhas por nó e vive sobretudo em nascentes e ribeiras com água calcária.

Outras plantas submersas nativas podem ter um aspecto geral parecido às elódeas, mas têm apenas uma folha por nó, como é o caso dasespigas-de-água (Potamogeton spp.) que podem ter folhas de formas muito variadas, desde folhas finas e frágeis (como Potamogeton pectinatus, P. trichoides) ou folhas largas e por vezes onduladas (como Potamogeton perfoliatus, Potamogeton crispus ou P.schweinfurthii), mas sempre só com uma folha por nó. Todas as plantas deste género (Potamogeton) lançam umas pequenas espigas para fora de água quando estão em floração.

Outros grupos de plantas submersas têm folhas fininhas recortadas ou ramificadas (como é o caso das plantas dos géneros Myriophyllum, Ceratophyllum, Utricularia e Ranunculus ) ou muito mais folhas por nó e fininhas, como é o caso das raríssimas e ameaçadas Hipurris vulgaris e Elatine alsinastrum, que caso sejam encontradas importa saber reconhecer e proteger.

 

Mas como é que chegaram estas invasoras a Portugal?

As três espécies chegaram provavelmente a partir da atividade de aquariofilia, em aquários ou tanques ornamentais. Mas também há referência ao comércio e potencial fuga de viveiros aquáticos como sendo a “via rápida” para novos locais de propagação e disseminação destas plantas.

 

E onde podem ser encontradas em território nacional?

Em Portugal Continental, a elódea-densa é actualmente a espécie de elódea mais difundida, aparecendo frequentemente introduzida em lagos ornamentais privados, e já estando presente em muitos dos principais rios do Centro e Norte do país.

Esta espécie ocorre no rio Minho (a jusante de Monção), nos rios Lima e Cávado, onde têm havido alguns projectos para controlar esta espécie, nos rios Douro, Paiva, Antuã e Mondego (e no seu afluente Ceira, onde foi recentemente detectada). Mais para sul, parece ainda não ter invadido os rios mas aparece em lagoas e charcas ornamentais, sendo o ponto mais conhecido uma lagoa no Parque Natural Sintra-Cascais.

Quanto à elódea-comum foi a primeira destas espécies a espalhar-se em Portugal, mas parece ter sofrido nas últimas duas décadas alguma regressão, quer pela invasão de espécies mais agressivas que ocuparam os locais onde se tinha estabelecido, quer por ter ocorrido um declínio das plantas aquáticas em geral. Esta espécie tem actualmente registos principalmente na região Centro, no rio Mondego (e nalguns afluentes), na bacia do Mondego e em Mira.

Por sua vez, a elódea-africana foi detetada pela primeira vez em 2010, em Odeleite, no Sotavento algarvio; mais tarde, em 2013, foi detetada perto de São Teotónio (Baixo Alentejo), colonizando duas lagoas artificiais; em 2015 foram recolhidas algumas amostras e várias outras lagoas artificiais foram pesquisadas naquela proximidade, mas a espécie não foi encontrada em mais nenhum lugar. No ano de 2017 foi localizada no rio Mondego, em Coimbra, e rapidamente avançou para o Baixo Mondego, afetando gravemente corpos de água e canais de rega nos municípios de Coimbra, Montemor-o-Velho e da Figueira da Foz.

É possível que as três espécies existam em mais locais onde ainda não foram detetadas. Se as encontrarem, registem-nas na App “Plantas Invasoras” ou no projeto “invasoras.pt”, no Biodiversity 4 All.

 

Afinal, qual é o problema com as elódeas? 

Os impactes negativos são consideráveis tanto para a biodiversidade e para os ecossistemas, como ao nível socioeconómico e da saúde pública. As elódeas formam tapetes densos debaixo de água que dificultam a entrada da luz e a oxigenação da água, acumulam sedimentos e alteram o ciclo de nutrientes, transformam a qualidade da água e substituem a flora aquática nativa.

Além disso, bloqueiam sistemas de rega e de captação de água, oferecem o ambiente perfeito para a instalação de larvas de mosquitos que podem ser vetores de doenças e podem até constituir perigo para quem pratica desportos náuticos, pois podem ficar presos ou enredados nestas plantas.

 

O que devemos fazer para impedir que se espalhem ainda mais?

As elódeas espalham-se muito facilmente através da corrente de água, por onde são transportadas plantas inteiras e/ou fragmentos para novos locais onde enraízam. Também os animais aquáticos (aves, mamíferos, peixes e outros) podem fragmentá-las e transportá-las, ajudando à sua disseminação. No entanto, apesar dessas formas de dispersão, é provavelmente através da intervenção mais directa dos humanos que muitas das novas invasões ocorrem.

Uma boa prática é habituarmo-nos a limpar muito bem qualquer equipamento que entre dentro de água de forma a garantir que não transportamos elódeas (e outras invasoras) para mais nenhuma massa de água!

Qualquer destas três espécies pode ficar facilmente presa a embarcações (que também as podem fragmentar), atrelados, ou outros equipamentos que entrem na água (por exemplo, associados a desportos náuticos, pesca, redes e rega), que ajudam a dispersá-las para novos locais. Outra das principais causas de novas introduções é a rejeição descuidada de conteúdos de aquários.

Também foram (ou ainda são) utilizadas em lagos e tanques ornamentais e podem ter sido libertadas, enquanto resíduos de jardins e tanques, em ambientes ou massas de água naturais depois de terem sido negligentemente colocadas em locais não seguros. Isto reforça o papel fundamental que cada um de nós pode ter para prevenir novas invasões!

As três espécies de elódeas fazem parte da Lista Nacional de Espécies Invasoras, ou seja, a sua utilização está proibida (Decreto-Lei nº 92/2019) e como tal a sua comercialização não deveria acontecer. No entanto, a disseminação por esta via ainda pode ocorrer, de forma negligente, quer por identificação incorreta, quer por pequenos fragmentos que podem surgir como contaminantes de “vasos” de outras espécie. Ou ainda devido ao desconhecimento da legislação ou ao comércio online (mais difícil de controlar), sendo adquiridas a mercados externos à Europa, onde (ainda) não são proibidas. É possível que ainda surjam em catálogos de jardins aquáticos ou de aquários. Ou seja, é importante cada cidadão estar alerta para estas situações, de forma a não adquirir estas espécies.

A disseminação e dispersão de elódeas pode ainda ocorrer na sequência de cheias em que plantas ou fragmentos são transportados para outros pontos do leito de cheia, incluindo por exemplo afluentes ou pequenas massas de água. E aí conseguem sobreviver e estabelecer-se.

 

Como é possível controlar ou erradicar estas espécies? 

Prevenir é sempre o melhor remédio! Antes de mais, é fundamental olhar para as elódeas e saber distingui-las das plantas aquáticas nativas. É também fundamental adotar todo um conjunto de boas práticas para impedir que se disseminem ainda mais. Depois vêm a erradicação e o controlo.

Para ter sucesso, a erradicação (ou seja, eliminação completa) precisa de ser feita muito pouco tempo depois da introdução – localmente, em áreas pequenas e onde existam núcleos restritos de elódeas que foram detetados atempadamente e possam ser facilmente removíveis, por exemplo, através de arranque manual.

Quanto a grandes áreas de invasão, já não se conseguem erradicar e são antes alvo de controlo, sendo importante estabelecer prioridades e atuar sempre de montante para jusante – do menos invadido para o mais invadido – dentro dos corpos de água. Mas com a remoção envolvendo maquinaria mais “pesada”, os possíveis impactes ecológicos serão significativos e as operações economicamente muito mais dispendiosas.

Conhecer a ecologia das elódeas pode ajudar-nos a controlar de forma mais rápida e eficaz estas plantas invasoras. Por exemplo, sabendo que elas se fragmentam facilmente, devem-se ter em conta todos os cuidados na remoção das plantas para minimizar a fragmentação e devem ser seguidas medidas de contenção dos fragmentos, com redes. A adoção de medidas de biossegurança no manuseamento de todo o material de trabalho, máquinas e equipamentos é essencial.

Em áreas pequenas a remoção manual terá que ser feita de forma cuidada para evitar a fragmentação e garantir que toda a planta é retirada debaixo da água. Não devem ser deixadas plantas junto às margens, porque em caso de inundação elas podem recolonizar os ambientes aquáticos. Assim, o aconselhável será a colocação das elódeas em baldes estanques, deixando-as secar bem. Mais informação sobre o controlo destas espécies pode ser consultada nos perfis das espécies em invasoras.pt, em elódea, elódea-densa e elódea-africana .

 

E qual é a situação noutros sítios do mundo onde as elódeas são invasoras?

A elódea-densa foi amplamente distribuída por todo o mundo como planta de aquário, não se conhecendo datas exatas de introdução na natureza. Foi introduzida nos EUA e recentemente descoberta no Taiti e na Polinésia Francesa, mas encontra-se naturalizada noutros sítios. Na Europa é descrita como planta invasora na Alemanha, França, Holanda, Itália e Portugal (incluindo as ilhas do Açores), mas ocorre também noutros países europeus onde se sabe da presença da planta, mas não existe mais informação.

Já a elódea-comum está referenciada como uma das espécies invasoras mais difundidas na Rússia e Nova Zelândia. Está naturalizada no Sudeste Australiano e presente noutros países asiáticos, latino-americanos e africanos. Na Europa foi introduzida no Reino Unido em meados do século XIX e espalhou-se para o Leste através da Europa Ocidental, sendo atualmente considerada uma planta exótica presente ou invasora um pouco por toda a Europa exceto, tanto quanto há registos, no Norte da Escandinávia. Em Portugal, há referência à sua presença pelo menos desde 1910.

Por sua vez, a elódea-africana foi introduzida em várias partes do mundo, desde a Nova Zelândia na década de 1950, onde se naturalizou em muitos lagos de água-doce, até à Grã-Bretanha em 1944 e à Alemanha e Irlanda em 1966. No sul da Austrália, a Lagarosiphon major foi encontrada e erradicada de algumas pequenas represas, e atualmente não há informação de que se tenha naturalizado.

 

Cinco curiosidades…

1. Algumas das elódeas foram (e esperamos que já não sejam) muito utilizadas nas aulas de Biologia e de Ciências Naturais para mostrar os cloroplastos ao microscópio óptico.

2. Há notícias de afogamentos no lago Remerschen no Luxemburgo provocados pela “praga de água” – elódea-comum (Elodea canadensis) – tal é a densidade de plantas naquele local.

3. Se tiver plantas vivas no seu aquário, charco ou tanque, verifique bem se não tem elódeas. Se tiver, é possível que no passado, ao lavá-lo ou limpá-lo, já tenha causado uma invasão. Basta que um fragmento tenha ido parar ao ralo, ou a alguma massa de água por perto. Se as tiver, elimine-as de forma segura (por exemplo, retire-as da água e deixe-as secar completamente, até se desfazerem, e depois enterre-as num vaso ou buraco fundo – dependendo da quantidade – longe de qualquer massa de água.

4. Na África do Sul, de onde é originária, as plantas masculinas de elódea-africana produzem flores que se soltam da planta, flutuando livremente para dispersar o pólen.

5. Importa referir que existem outras duas espécies exóticas muito semelhantes, das quais ainda não se conhecem registos em Portugal, Hydrilla verticilata e Elodea nuttalii. Ambas são também, tal como as outras elódeas, muito usadas em aquariofilia. Devemos estar alerta para a sua eventual introdução em ambiente natural.

 


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica, o lucioperca, o caranguejo-azul, a ludevígia-rastejante, o jacinto-aquático, a íbis-sagrada, o mosquito-tigre-asiático, a pinheirinha-de-água, o visão-americano, a bisnaga, tartaruga-da-Flórida, ganso-do-egipto,  a sanguinária-do-japão e o chanchito.